sábado, 23 de outubro de 2010

Real Gabinete Português de Leitura

Livros publicados por João Folgado Frade Correia e que estão na Biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro.
http://www.realgabinete.com.br/portalweb/Home/tabid/39/language/pt-PT/Default.aspx

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

E' este o teu caminho SEIVA ANO PRIMEIRO / NÚMEROS SEIS E SETE 1955

E' este o teu caminho


DEIXEI-TE em férias, nas férias grandes, depois de um ano de trabalho intenso. Fizeste o que não esperavas. As nossas forças são superiores ao que julgamos, já to disse. Somos sempre capazes de fazer mais, muito mais do que pensamos, quando a nossa alma está iluminada. Mas quando murcham os nossos ideais, a vida morre à nossa volta. Secam as paisagens da alma e tudo cria uma espécie de bolor, um fastio espiritual, um tédio... esse tédio doentio tanto em moda na literatura dos nossos dias! Quando a tua alma deixar de acreditar, deixarás de cumprir a tua missão. Não, não sejas como q poeta, descrente e desiludido, vivendo do bafio do mundo, entre cristais partidos, e respirando, acima de tudo, o ambiente amarfanhante de seus ideais despedaçados, para afirmar:


«Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer em nada.

Àparte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo» (1)


(l) — Álvaro de Campos — Poesias — pág. 210


Não, tu és alguém, serás sempre alguém, acreditarás sempre em Alguém e, contudo, não deixarás de ter na tua alma também os sonhos e inquietações dos homens. O teu mundo é positivo, claro. Sabes para que nasceste, sabes para que vives e sabes qual o teu destino. Robustecido o teu ideal na fé jamais poderás afirmar como o mesmo poeta:

«Falhei em tudo..,

A aprendizagem que me deram,

desci dela pela janela das trazeiras da casa»,

A tua aprendizagem como a tua vida, têm um sentido construtivo. Nasceste para edificar, não para destruir; vieste ao mundo, mandada por Deus, para cooperares na sua obra grandiosa! Que grande orgulho, que grande alegria não deves sentir! Tu, rapariga frágil, ora cheia de sonhos altos e nobres, ora vazia de esperanças!..; Tu, que tropeças continuamente na futilidade e no desânimo, teres dentro de ti a vida e o calor de tantos corações pequeninos! Mas pensa bem, colaboras com Deus no plano da sua obra! As tuas palavras são a semente do bem e o teu coração a fornalha onde se aquecem tantas almas inocentes, que nunca tinham desabrochado para a vida e jamais conheceram o perfume de uma oração humilde. Tantos corpinhos que tinham frio e tu os aqueceste; que tinham fome e sede... e tu os saciaste; que tinham a noite na alma e tu, sorrindo, dissipaste as suas trevas! E ainda estás no princípio!

Ah! não deixes morrer a fé em ti! Fizeste num ano o que não supunhas! Farás em toda a vida uma obra de que não és capaz de medir o seu alcance!

Sim, agora lês livros, alguns livros, e através deles purificas a tua sensibilidade e passas a amar as coisas com um amor diferente 1

Hoje deu-te que pensar esta frase da «Imitação de Cristo» —

«Ponhamos pois o machado à raiz da árvore, para que livres das paixões possamos pacificar as nossas almas».

Deu-te que pensar, sim! Presa ao mundo, serás do mundo; liberta do mundo, serás de Deus. O mundo não é um fim, é um meio. Só Deus é fim de tudo. Lembra-te que só Cristo deu sentido «de eternidade à vida, E o cristianismo nada nos promete para este mundo. Pede-nos que tenhamos uma vida digna, uma fé ardente, sincera, que transfigure tudo à nossa volta; dá-nos a graça, que nos faz participantes ainda nesta vida da grandeza e dos tesouros de Deus. Dos tesouros que não conheces e o teu coração já adivinha!

Logo, põe o machado à raiz... educa a vontade e fortalece-a cada vez mais! Sem desbravares o que há de mau em ti; sem destruíres as tuas paixões e todos os teus sentimentos mesquinhos, jamais conseguirás ser verdadeiramente grande. Quando os desgostos baterem à tua porta e o teu coração ficar calmo; quando a indiferença ou
a má vontade dos outros apoucarem as tuas obras- e eu continuares firme, sem nuvens no coração e caminhares sem passos vacilantes — sim, quando tudo isso suceder e a tua vontade não vergar, poderás dizer que é robusto o teu ideal e puro o teu coração. Falo-te demasiado no teu coração. Quando um coração é puro e verdadeiramente grande, vale mais do que todos os sistemas pedagógicos. Morrerás quando o teu coração deixar de sentir a beleza da vida!

Que te falo muito da religião !? Que será o teu coração se não for profundamente impregnado de amor divino?]

Temos dezenas de cartas de colegas tuas falando dos seus re-tiros, das palavras do nosso Prelado, tocando-Ihe, penetrando-lhe na alma!

Deixa que Deus te castigue e o mundo te mortifique; deixa que te insultem, que te afrontem, que te apouquem, que te menosprezem. Responde com o silêncio e com as tuas obras. Tudo vencerás, enquanto Deus estiver contigo. E Deus está sempre conosco, enquanto rezamos e mantivermos clara e luminosa a nossa consciência í Quando fores tentada—e são tantas as tentações na tua idade—reza e humilha-te. Resigna-te.

Continuas a ler. Continuas a meditar à tua janela.

«Todas as coisas deste mundo acabam, o gozo e o sofrimento; mas a eternidade nunca tem fim.

...É preciso deixar tudo para ganhar tudo.

...Perdido Deus é tudo perdido.

Quem nada deseja deste mundo, é senhor de todo o mundo...» Assim fala Santo Afonso Maria de Ligório à tua alma. a todas as nossas almas.

Ah! mas os teus sonhos são como o vento na aurora, ondulando as searas dos campos... Alargam-se, ampliam-se cada vez mais.

Segredos do teu coração?! Falas de segredos! Já os conhecia! Há muito estás enamorada!

Os cantos da nossa alma são diferentes quando tocados pelo amor! Desejo contrariar esses ideais? Nunca. São eles, robustecidos na tua fé, gue te abrirão as luminosas clareiras no teu caminho. Mas não ponhas o coração a falar muito. Respira tu, sozinha, o perfume dos teus segredos. Fala sem que seja o coração a fazê-lo. Deixa que
a tua alma continue iluminada pelos teus sonhos. Enche-a de luar; do murmúrio das águas prateadas; das confidências das aves — Tu sabes o que as aves dizem?

Das orações das flores e dessas jóias cintilantes das estrelas, bem mais preciosas que todas as jóias da terra.

Vai, vai aos bosques, respira o seu ar e o seu perfume! Vai ao campo, vê os vindimadores, saboreia as uvas e põe cachos doirados nos teus cabelos!

E toda essa felicidade, e toda essa alegria e toda essa beleza... permanecerão sempre em ti, mesmo que não se realize o que desejas e que o mundo que arquitectaste se desfaça à tua volta! os teus sonhos e a claridade dos teus sonhos, ninguém tos roubará. E eles te darão alento para nova sementeira.

Chegou o outono! O vento murmura nas árvores e também desfaz os seus sonhos. E, contudo, as árvores continuam sonhando a vida inteira, quer neve, chova ou o sol as aqueça 1 As árvores também sonham como nós!

Chegou o outono. Vais começar um novo ano, e, depois, outro e mais outro e mais outro ainda ! A tua vida inteira! A tua vida a trabalhar, silenciosamente, longe dos olhos do mundo!

Só... a tua casa pequena, branquinha; a tua escola, a Igreja, as mesmas flores sempre renovadas e sempre lindas; outras crianças e sempre as mesmas almas ansiosas por ti.. .

— que os teus gestos, sejam largos e esperançosos, como os do semeador nos montes, visto a certa distância;

— que as tuas palavras sejam para louvar e bendizer, encaminhar, encorajar, esclarecer;

— que o teu coração conserve sempre a frescura dos teus sonhos;

— que as tuas orações tenham o encanto e a ressonância do infinito;

— que os teus ouvidos oiçam sempre a canção das fontes;

— que continues pondo no altar de Nossa Senhora as tuas

mais lindas flores e no seu coração as tuas mais puras orações!


E continua firme. . . não olhes para traz, não hesites, não manches o teu verdadeiro caminho! Se há lama na terra, lembra-te que também há nuvens altas e estrelas no Céu.



JOÃO
FRADE
CORREIA



segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

CRIANÇAS DIFÍCEISPublicado em SEIVA – REVISTA DE CULTURANº 3 MARÇO/ABRIL 1958


 


 

CRIANÇAS DIFÍCEIS

Publicado em SEIVA – REVISTA DE CULTURA

Nº 3 MARÇO/ABRIL 1958

«O meu filho não aproveita na escola».É um preguiçoso! Cada vez sabe menos. Já não sei mais o que lhe hei-de fazer. Não vai à pancada, nem ouve os meus conselhos. 0 pai zanga-se de tal modo que tenho de lhe ocultar muita coisa, senão desgraça-o...»

Estas e outras frases fazem hoje parte da conversa de quase todas as mães, e o que é certo sem se obterem quaisquer resultados satisfatórios. Pelo contrário, parece que cada vez pioram mais as coisas, a avaliar pelos resultados de aproveitamento.

Vejamos se descobrimos algumas causas:

  • Algumas estão no próprio ambiente familiar;
  • outras, no aluno;

—    e outras ainda na escola, quando todas ao mesmo tempo não contribuem para a infelicidade do rapaz e dos pobres pais.

O aluno prefere geralmente a brincadeira ao estudo e mal seria se deixasse de brincar para estudar somente. Era melhor consultar o médico e seguir tratamento rigoroso! O ideal será conseguir-se uma coisa e outra, isto é, horas para estudo e horas para a brincadeira e sempre que possível estudar brincando. É um método que faz franzir o sobrolho ao velho mestre-escola, mas hoje devemo-lo aceitar por ser o que está mais de harmonia com a natureza da criança. Sobretudo em determinadas idades.

O ensino é uma coisa muito séria, mas que se consegue brincando, sobretudo com crianças do ensino primário ou até dos primeiros anos de ensino secundário. A criança faz o que deve fazer: brinca. Nós é que devemos aproveitar a sua actividade lúdida para o orientarmos. E se não o soubermos fazer ou não o quisermos fazer, é preferível mudarmos de profissão !

Primeiro que tudo devemos conhecer a «técnica» do ensino, como o arquitecto ou o engenheiro, a técnica da construção; o médico a de curar os seus doentes, ou o alfaiate, a «técnica» da fazer fatos bem feitos. A do educador é de todas a mais difícil. Temos de conhecer ainda e bem cada criança; toda a metodologia do ensino e vermos qual o método a empregar para cada uma delas. Certamente, pelo menos as pessoas que me conhecem, não me entregariam qualquer projecto de uma obra e muito menos me pediriam para eu lhes fazer um fato. Havia de sair obra bonita! Pois bem, fenómeno idêntico se passa ou deve passar com o ensino. Só deve ensinar quem está em condições e só deve educar quem tiver a necessária preparação para esse efeito. Preparação e intuição. E, pior do que sucede com o engenheiro ou o alfaiate, a obra do educador está sempre no começo. Aqueles, mais tarde ou mais cedo, podem saborear os frutos da sua obra, se foi perfeita. O educador, não! jamais saberá qual o sabor dos frutos do seu trabalho. Só os seus discípulos ou alguns deles terão esse prazer; e mesmo assim muito tarde.

Temos aqui dito e redito que a educação é essencialmente obra de amor e compreensão. Amar e compreender as crianças tal como elas são, com todos os seus defeitos e com todas as nossas imperfeições. Adaptar o ensino à maneira de ser de cada uma; começar a trabalhar logo de começo, com método, com perseverança, com humildade e, sobretudo, com muita paciência. Precisamos de saber «por o dedo na ferida» e no momento próprio. Mas não devemos esquecer de que o principal esforço deve ser o do aluno. Nada de palavras inúteis ou de grandes discursos. Eu sei que repito muito esta ideia, mas não ignoro que ainda se abusa mais dela! E sempre que possível e necessário, tornar o ensino agradável e intuitivo. Disse um certo pedagogo belga (*) «uma imagem vale mil palavras e um objecto vale cem imagens».

Só amando a criança como ela é, tal como é, e utilizando métodos apropriados, a poderemos transformar naquilo que ela deve ser. Parece-me ser este um dos grandes segredos da educação.

Por isso os educadores devem ter a plena consciência se estão ensinando bem e se estão formando devidamente os seus alunos, sem abusar dos sistemas de proibição. Nada de juízos errados por precipitação. Mesmo não interessa aos pais que lhes digam que seus filhos não sabem, que são cábulas ou que estão sempre distraídos! Eles mandaram-nos para a escola para aprenderem. O resto é com o professor, de colaboração com quem julgar mais conveniente. Mas não esquecer que é o professor o principal responsável pelo não aproveitamento dos alunos. O engenheiro que levantou uma ponte e que ruiu anos depois porque empregou, por exemplo, cálculos errados, não vai repetir o mesmo erro em projectos futuros. O alfaiate que inutilizou algumas peças de fazenda quando fez os primeiros fatos, não deve repetir os mesmos erros em novos trabalhos! O mesmo deve suceder connosco, sob pena de aniquilarmos uma obra mais bela e perfeita, que é a alma de uma criança, Só uma vale mais do que todas as pontes do mundo. Não interessa muito que os professores julguem a toda a hora os seus alunos; interessa, sobretudo, que os conheçam suficientemente para bem os ensinar e educar. Se os nossos alunos não aproveitam, temos de considerar mais os nossos métodos, remediá-los, modificá-los, e, se assim fizermos, tenhamos a certeza que cumpriremos melhor o nosso dever.

Voltando ao assunto: todo o professor deve amar e conhecer bem os seus alunos; o ambiente em que vive; antecedentes de escolaridade; estímulos recebidos (geralmente os pais e professores deprimem mais a personalidade infantil do que a elevam!). Numa palavra, deve conhecer bem as causas que contribuem para as deficiências de cada aluno e resolvê-las. Só, ou de colaboração com os pais, o médico, etc. Cada educador tem de fazer em relação a cada aluno um sério exame de consciência e ver quais os meios que deve utilizar para o elevar e engrandecer e nunca para o deprimir, E com frequência utilizamos os que contribuem para desmoronar a vontade e o carácter, embora falemos a toda a hora de carácter e vontade. Não é com discursos que educamos, mas com acções, prudentes atitudes e confiança em nós e nos nossos alunos.

Além disso devemos meditar diariamente nos seguintes pontos:

a) — o ensino que ministramos, estará ao nível mental dos alunos menos

dotados ?

b) — Observamos cuidadosamente as reacções de cada aluno ?

c) — Estarão as nossas exigências de acordo com o nosso esforço ? Isto é

não exigimos mais do que ensinamos ?

d) —Fazemos revisões espaçadamente metódicas?

e) —É o nosso ensino, tanto quanto possível, agradável e interessante?

f) — Utilizamos métodos intuitivos e activos, sempre que necessários ?

g) — Evitamos perda de tempo ?

h) — Estimulamos e dirigimos convenientemente os esforços dos nossos alunos ?

i) — Salientamos-lhe os seus defeitos sem ôs deprimir, mas apenas para que os possam corrigir e com o fim de os melhorar?

j) —Fazemos por desenvolver em cada aluno todas as suas faculdades?

l) — Numa palavra, preenchemos os seus defeitos com o nosso amor ou com a nossa impaciência ou ira?!

Quantas perguntas não podíamos fazer ainda! Porque cada criança é o que é; não a modificamos com admoestações, ralhos, pancada ou gritaria. Pelo contrário, com este processo agravamos a sua sensibilidade e prejudicamos o seu aproveitamento. Não devemos esquecer que é mais fácil modificarmos os nossos métodos de ensino do que a maneira de s)e»r d\s> cada, criança. Devemo-nos persuadir de que na maioria dos casos os nossos métodos de ensino são bem mais imperfeitos do que a natureza da criança. E que a educação é mais obra de amor do que propriamente de exigências inúteis. As crianças que nós apelidamos de rebeldes, mentirosas ou difíceis são-no quase sempre como consequência da nossa educação defeituosa, educação recebida por elas em casa ou na escola. Logo o que há que modificar primeiramente é a psicologia da maioria dos pais e professores. A grande maioria dos complexos que enxameiam os livros de pedagogia, desaparecerão quando o adulto deixar de ser complexo. O mal muitas vezes não está
na criança, está em nós. E mesmo que estivesse apenas nela, só tínhamos um caminho a seguir: corrigir os seus defeitos; emendar os seus defeitos naturais ou corrigir o que os outros estragaram. E mesmo neste caso, ela era mais digna de compaixão do que de reprimendas. Esses defeitos devem ser corrigidos principalmente pelos pais, professores e quantas vezes pelo médico! E quando os próprios pais não souberem cumprir a sua missão," maior é a responsabilidade do professor e mais nobre a sua missão! Para que havemos de andar continuamente a falar de apostolado e de cristianismo se o não sabemos pôr em prática ?!

Comecemos por nós! Modifiquemo-nos à altura de compreendermos verdadeiramente cada criança. Só assim poderemos fazer alguma coisa. Mesmo que a criança tenha defeitos, é dever do educador corrigi-los quanto possível, pois seria vexatório para ele que os pais fossem pedir ao merceeiro conselhos para corrigir os defeitos de seus filhos. O merceeiro tem de aprender uma psicologia diferente para corrigir os defeitos do seu ofício, como nós temos de corrigir os nossos.

Não interessa ainda que os professores digam continuamente aos pais que seus filhos vão mal, que não estudam ou estão desatentos durante as lições. Nós é que temos de organizar um ensino e um sistema de emulação à altura das exigências dos alunos dos nossos tempos. O resto é literatura inútil, perda de tempo e de dinheiro!


 


 

JOÃO FRADE CORREIA


 


 

(i)—Fr Anselmo, nosso estimado colaborador.


 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

RARO EXEMPLO DE UNIDADE / PORTUGAL UMA ESPERANÇA E UMA CERTEZA PALESTRA PRONUNCIADA QUANDO DA INAUGURAÇÃO DO PADRÃO DOS DESCOBRIMENTOS, NA PRAÇA DE D. LEONOR EM CASTELO BRANCO, EM 10 DE JUNHO DE 1960.





JOÃO FRADE CORREIA

RARO EXEMPLO DE UNIDADE

PALESTRA PRONUNCIADA QUANDO DA INAUGURAÇÃO DO PADRÃO DOS DESCOBRIMENTOS, NA PRAÇA DE D. LEONOR EM CASTELO BRANCO, EM 10 DE JUNHO DE 1960.

I

A nossa vida, a vida da maioria dos homens, continua hoje como tem sido até aqui, se é que não tem piorado: — a mesma despreocupação com as realidades essenciais; a mesma banalidade; os mesmos hábitos de rotina; o mesmo artificialismo nos actos e descolorido nas ideias. Uma vontade que enfraqueceu na moleza dos costumes, dando lugar à exaltação de tudo quanto é instintivo e emocional no homem. Não é, certamente, com esta apatia interior, com esta falta de confiança nos homens e com a ausência de fé em Deus, que poderemos modelar o mundo de hoje digno de um futuro promissor de virtualidades humanas.
Não é dos tempos que nos temos de queixar, mas dos homens. Antes da última guerra, já muitos pensadores nos advertiram de que a Europa estava em decadência espiritual, minada por idealismos estéreis e por moleza nos costumes e nas instituições. E, talvez por isso mesmo, os nossos tempos se caracterizam pela inversão dos valores que cimentavam a nossa civilização e pela intranquilidade nas consciências, pela insegurança dos bens e das próprias vidas. Século de efervescência, ele é, sem dúvida, o mais decisivo para a nossa civilização e o de maior responsabilidade na estruturação dos novos caminhos que as gerações hão-de percorrer! Século de entrechoque de várias ideologias e civilizações, poderemos submergir na onda do materialismo ateu que está de mãos dadas com a erupção catastrófica dos instintos dos indivíduos e povos imaturos que em busca de uma fictícia independência cometem as maiores das atrocidades.
Os mais pessimistas vêem já dissorados os valores que cimentaram e engrandeceram a civilização cristã. E, então, tentam criar novos valores, arvoram os seus estandartes à liberdade dos homens e dos povos, como se a liberdade fosse apenas o desenfrear dos maus instintos ou a satisfação da sua sede de vingança.
Outros, porém, os que conseguem serenar os ânimos no meio da exaltação e confusão do mundo em que vivemos, pensam de maneira diferente: — que é preciso que o homem se reencontre em toda a sua dimensão de homem, readquira a fé no seu destino, conheça a sua verdadeira posição na terra e se prepare conscienciosamente para a grande batalha dos nossos dias. Há que desenvolver no homem todas as suas faculdades naturais e sobrenaturais. Se as primeiras constituem a nossa realidade pela qual nos integramos nas leis da natureza, as segundas são a sublimação, direi mesmo a divinização dessa realidade.
Sejam quais forem as provas a que a Providência submeta os povos, nós temos a certeza de que os valores sobrenaturais hão-de prevalecer, precisamente porque têm na sua essência a perenidade dos seus princípios.
As nações não se podem talhar a belo prazer dos homens, nem estes, sejam quais forem as suas ideologias e ambições, as poderão desfazer por capricho ou conveniência. Há um fluido maravilhoso que prende as gerações presentes às do passado e apesar de vivermos o momento mais decisivo da nossa civilização, cabe-nos auscultar bem a crise para mais facilmente a debelarmos. Muitas são as correntes de pensamento que atacam tudo quanto nós consideramos verdadeiro e sagra-
do e, por isso, é nas profundas estruturas da nossa vida espiritual que a nossa acção se deve fazer sentir. Nunca a desagregação foi tão grande, mas parece-nos que jamais a história conheceu um período de maior e mais salutar reacção.
A crise avassala o indivíduo, o lar e as massas. O indivíduo falhou, depois de todas as experiências feitas no campo ideológico e social. Resta-nos restaurar a pessoa humana para que o homem não continue por mais tempo a ser foguete dos caprichos das massas desorientadas. E indispensável que o homem veja e analise bem os seus erros, descubra e conheça as suas misérias e que não consinta que o ambiente da nossa época continue a intoxicar o futuro de seus filhos.
É necessário que o homem de hoje descubra que tem alma e viva e respire o ar puro das paisagens eternas. Deixemos o indivíduo, o homem natural escravizado às leis naturais e biológicas e salvemos a pessoa humana, que é livre, não porque venceu, mas porque se venceu.
Só nessa altura, ligado à salvação da pessoa humana encontraremos a salvação da própria Europa, a salvação da cultura cristã.
Portugal não pode isolar-se do grande drama dos nossos tempos. A África está em efervescência e na África nós temos Portugal que necessitamos continuar. O drama social existe em todos os continentes e em todos eles sentimos a presença viva de Portugal. Por isso mesmo precisamos de ter um sentido profundo das realidades sociais e psicológicas da nossa época.
Há que reagir contra tudo o que entorpece e avilta e ter uma noção clara dos nossos tempos. Dar à nossa juventude uma educação cristã, autêntica, debruçada sobre as realidades, sociais e as grandes feridas da nossa sociedade. E necessário por de parte todo o formalismo que entorpece e mata o espírito criador; acabar com certo sentimentalismo doentio que arrasta o homem ao cumprimento dos deveres exteriores, mas que não leveda a massa interior da nossa verdadeira vida anímica.
Repetimos, é preciso fazer circular nas nossas veias o sentido das verdades eternas, que liga as gerações presente às do passado, seiva mística que alimenta as almas e lhes dá continuidade, razão de ser e a força rejuvenescedora que une os homens e aquece os seus ideais ao calor sacrosanto da chama das Pátrias. Por isso mesmo, aqueles para quem as Pátrias não têm fronteiras, jamais conheceram o sabor, o brilho, o entusiasmo e a grandeza dos verdadeiros ideais da vida. Lutam pela grandeza do homem decepado, do homem algemado ou até do homem enfurecido, que com todas as suas liberdades, se vai tornando o ser mais infeliz da terra. Homem que quer ser livre mas ficou escravo das leis naturais, dos seus próprios instintos e para quem a cultura se confundiu ou confunde com a própria noção de técnica. Do homem que, negando toda a transcendência, ficou manietado a um colectivismo que nada resolve e a um ateísmo que atrofia as melhores potencialidades da alma humana.
E é com estas novas concepções da vida, novas, diferentes e antagónicas à verdadeira formação e dignidade do homem, que se levedam povos sem naturação para lhes dar uma independência ilusória, porque, no fundo, os indivíduos que os constituem ficam não só escravos dos seus próprios mentores como também enraizados para sempre à cepa hereditária que jamais conseguiu ser enxertada nos ideais elevados da vida. Os que se dizem mais civilizados e os impulsionam estão dominados pela técnica e pelo econismo e os outros, os mais atrasados, são presa fácil das suas ambições.
A técnica dando-nos comodidades, não nos deixa gozar tranquilamente essas comodidades; pondo tudo à nossa disposição, tudo nos rouba, pelo menos o que mais falta nos faz ao aperfeiçoamento da nossa vida interior: o silêncio e a tranquilidade de consciência, indispensáveis para apreciarmos, objectivamente, toda a beleza do universo e da vida. A técnica, que não é um mal, quando bem orientada, não só está contribuindo para a completa despersonalização do homem, mas ainda para a sua total desumanização. Vamos perdendo com o silêncio da nossa vida interior todo o encanto que ilumina as coisas que nos cercam e o verdadeiro sentido da vida. Querem as novas ideologias salvar o homem com o progresso material e económico, mas esquecem a pessoa humana e a sua valorização total. O progresso da humanidade deve-se, sobretudo, à qualidade e não à quantidade dos homens que a constituem.
O nosso século é, sob muitos aspectos, bem pior do que aquele em que os bárbaros assolaram a Europa!...
O mundo está sendo vítima da ciência mal orientada e dos ídolos que os homens divinizam. Esperemos que tudo se recomponha e que os verdadeiros valores da vida voltem não só a ocupar o lugar que lhes compete, mas ainda a abrir novas clareiras para o futuro: ao mundo dos sem-Deus seguir-se-á o mundo da verdadeira interioridade. O homem terá um dia necessidade de se debruçar sobre si mesmo e, só então, se reencontrará em toda a sua verdadeira grandeza e, no mais fundo da sua alma, sentirá o reflexo divino, arrancando-lhe as verdadeiras potencialidades que hão-de estruturar as nossas camadas sociais.

II

Felizmente o caso português apresenta características bem diferentes.
Sacrifícios sem conta criaram, cimentaram, e alargaram o nosso território. Portugal nasceu, desenvolveu-se e espalhou-se à sombra da Cruz. Desde os primeiros tempos que a Igreja desabrochou as nossas virtudes, e deu mesmo um sentido ecuménico à nossa própria cultura. A época de alargamento territorial, sucedeu-se um período de intensa vida espiritual e é ainda a Igreja, com as suas diversas ordens religiosas, que dá uma feição peculiar ao nosso País. E, quando sentimos necessidade de expansão, mais do que nas caravelas, os portugueses levaram impresso nas almas o amor de Cristo. Em plena Idade-Média o homem tinha-se descoberto em toda a dimensão natural e sobrenatural. O Cristianismo decifrara todos os enigmas do coração do homem. Este já sabia a sua origem e o seu fim e conhecia, igualmente, que a terra era um simples lugar de passagem.
Foi movido por esses ideais que Nun'Álvares sacrificou a vida, não só robustecendo a nossa independência, mas criando um clima novo, donde brotou, guiado pela mesma fé, o gigantesco esfor-
ço, a clara visão — direi mesmo a penetrante antevisão — do Infante D. Henrique. Esses ideais tinham em si a força impulsionadora das grandes lutas e a semente admirável da humildade. Por isso Nun'Álvares, cumprindo o seu dever para com a Pátria, cumpriu-o, depois, igualmente, para com Deus. De joelhos em terra e mãos postas — a maior dimensão do homem na terra — fitando o Céu, donde lhe vinha toda a irradiação dos seus sentimentos, Nun'Álvares soube ser o militar intemerato e o santo fervoroso. Foi a mesma chama que fez do Infante D. Henrique o monge de Sagres, abrindo ao País e à Europa de então as cortinas do mundo desconhecido. Sonhou, antes de realizar, mas realizou precisamente porque sonhou muito! Por intuição, uma mística intuição das almas que tentam ler nas estrelas os segredos do infinito, o Infante soube objectivar o seu sonho e os grandes sonhos são sempre a antevisão das grandes realidades.
Se nos orgulhamos da obra do Infante D. Henrique e de quantos lhe deram continuidade pelos séculos fora, não sentimos menos orgulho por quantos propiciaram esta oportunidade de exaltação do mais puro patriotismo. Outros ventos sacodem agora os continentes, ventos bem diferentes, direi mesmo adversos e que vêm submeter as gerações presentes talvez à mais dura prova que a defesa da nossa civilização nos poderá exigir. Andam atormentados e inquietos os povos em busca de certezas que não encontram e de verdades que não existem.
Os nossos ideais mais caros, ideais que deram vida e realidade aos anseios e projectos do Infante, estão ameaçados. Se à Europa parece faltar aquela unidade espiritual que nos deu a verdadeira razão de ser, a África está sob um vulcão tremendo e, por isso mesmo, são cada vez mais incertos os seus dias. E é bastante consolador que nós, portugueses, sejamos uma certeza no mundo convulsionado que nos cerca. Em todos os continentes, Portugal está dando, serenamente, ao mundo, a maior lição que este até hoje conheceu. Constituímos uma unidade espiritual, na grande diversidade geográfica que forma o nosso império. Graças ao sentido cristão que está nas raízes da nossa expansão, unimos povos das mais diferentes raças e línguas. Unidade que se cimentou na península ibérica e se alargou além-Atlântico, como sucedeu no Brasil, precisamente porque os valores eternos aproximam as pátrias mais distantes. As raízes mais fundas do grande povo brasileiro estão na velha casa lusitana que a espiritualidade remoça e os sonhos do passado purificam. Se soubermos aproveitar esta lição de hoje, encontraremos nos sonhos do Infante o contínuo remoçar dos nossos ideais e Portugal, unido ao Brasil, terá no futuro uma luminosa projecção, abrindo às gerações vindouras os grandes caminhos de novas sementeiras de grandeza. É este o segredo da nossa História!
Também Portugal e a Espanha se reencontraram em nossos dias e essa união será bastante útil à difusão e consolidação do cristianismo.
Com a comunidade luso-brasileira terão, num futuro não muito longo uma importância vital na estruturação e consolidação das futuras sociedades. Unida à Espanha e a toda a América latina, constituirá o núcleo de irradiação que se projectará no futuro !...
Graças ao esforço de tantos portugueses, foi possível que a nossa Pátria se fosse enriquecendo através dos tempos, se projectasse além dos mares, despertando noutros povos o mesmo sentimento de unidade espiritual que nós devemos perpetuar mesmo a custa dos maiores sacrifícios.
Sem dúvida que são de luta os nossos tempos. São tempos de inquietação, efervescência e confusão!
Mas para que queremos nós todo o entusiasmo dos nossos corações? Para que nos deu Deus a sede ardente que nos levou a devassar continentes, a atravessar os mares, no meio das maiores inclemências? Para que nos deu Deus toda essa riqueza emocional, toda a nossa fé e todo o calor que abrasa os nossos corações? Para desbaratarmos tudo isso nas lutas estéreis da vida? Poderemos nós consentir que todo o esforço e sacrifício dos nossos antepassados seja perdido ingloriamente para prejuízo da própria civilização cristã?!
Sabemos que um vento satânico varre os continentes; que para salvarmos a civilização cristã nos esperam muitos sacrifícios; que a Escola tem imensa responsabilidade na formação e orientação da nossa juventude, donde hão-de sair as novas forças orientadoras do futuro da civilização cristã; sabemos que são cada vez maiores as dificuldades a vencer, mas, apesar de termos a clara consciência de tudo isso, nós queremos continuar a ser dignos herdeiros dessas gerações de sacrificados que souberam, ontem como hoje, manter a unidade do nosso património material e moral no meio da diversidade ideológica e da confusão dos nossos tempos.
Embora de outra natureza, as dificuldades que o futuro nos esperam não serão inferiores às que tiveram de vencer os nossos antepassados. Sabemos que será assim, porque sabemos que as fogueiras da insubordinação hão-de rebentar por todos os lados à volta da terra portuguesa. Sabemo-lo, por isso temos que nos preparar para enfrentar todas as dificuldades!
Também esperamos que virá ainda o dia em que, nesta cidade, uma estátua perpetue o nome de Nun'Álvares, pois ele nos honrou pelo nascimento, pela sua bravura e pela sua santidade.
Aqui deixamos a nossa homenagem, neste
simples padrão ao Infante D. Henrique, modesta embora, mas que tem profundas raízes no nosso coração. Do seu esforço e tenacidade, da sua cultura e fé profunda resultou a dilatação da fé e do império e é com orgulho que, depois de tantos séculos decorridos, ainda tenhamos intactas as terras que os teus sonhos anteviram e a Pátria que a fé robusteceu !...
E nas alturas que nascem os rios! Foi nas alturas do Céu que nasceu todo o esforço dos que nos antecederam e queremos ainda que seja com os olhos nas estrelas e os pés na realidade que tracemos os caminhos do futuro!

* * *

Uma nova forma de imperialismo e colonialismo alarga-se hoje a todos os continentes e as suas conquistas dominam já cerca de duzentos milhões de pessoas. O processo utilizado é simples e reveste dois aspectos, como todos os movimentos sociais: um de carácter espiritual e outro exclusivamente material, embora para nós os dois aspectos se fundem no último.
Quanto ao primeiro, nega-se toda a transcendência : O homem fica, deste modo, sujeito às leis naturais e escravo das mesmas leis. E porque a Igreja desempenhou sempre, a partir da Idade Média, um papel importante na unidade dos povos, houve e há a preocupação de negar o seu valor para reduzir tudo è solução do problema económico. Para isso, os seus defensores dividem a sociedade em duas classes: a dos exploradores e a dos explorados. Logo há que dar a estes — dizem — não só direitos políticos: o caso de se lutar pela fictícia independência de povos imaturos, mas ainda as necessárias condições económicas. A custa dessas liberdades e numa actuação que é a mais completa negação da verdadeira liberdade humana, vai esse imperialismo estendendo os seus tentáculos e reduzindo até os povos cultos à mais desumana das escravidões.
A questão principal que hoje se põe à consciência dos homens responsáveis pelo destino dos povos parece-me ser esta: Existe ou não existe a colonização? No caso de existir, será esta condenável ? Libertadas certas possessões da tutela dos povos que as orientam ficarão aqueles povos em melhores condições sociais? Mas se eles não têm a necessária maturidade intelectual, quem os poderá orientar? Se os mesmos deixarem de receber a influência dos povos cristãos, qual o pensamento ideológico que os animará? A esta questão ou questões, está ligado o futuro da civilização cristã. Esta precisa, para sobreviver e se impor, de continuar a exercer a sua influência, directa ou indirecta, nos povos que conquistou, ao mesmo tempo, que tem necessidade de estreitar cada vez mais os laços com os povos de civilização idêntica. Tem sido o caso, que de alguns anos para cá, se tem passado entre Portugal, a Espanha e o Brasil. Da união destes povos depende, em grande parte, o futuro da civilização cristã.
Outra questão se levanta nos nossos dias bastante dolorosa: a colonização dos povos que há centenas de anos viveram independentes e que independentes desejam continuar. Não se trata apenas da escravidão dos povos, mas da própria escravidão das consciências. É uma espécie de amarfanhamento ideológico, esmagamento de almas, tortura moral acompanhados de uma ruptura de costumes e tradições que alicerçaram as suas civilizações. Logo a primeira preocupação dos povos peninsulares deve consistir também em preparar elites que vivam profundamente a essência do cristianismo e que, utilizando processos adequados dos nossos tempos, o possam derramar sobre as almas das massas. E a sementeira do espírito.
Precisamos, em primeiro lugar, de métodos novos, métodos que estejam à altura das exigências dos nossos tempos.
A nossa civilização identifica-se com a verdadeira civilização cristã, na medida em que der a conhecer ao mundo o Cristo autêntico. Cristo, despido dos preconceitos dos tempos. Cristo, alavanca das almas. Cristo, às vezes escarnecido por tantos católicos! Cristo, sobretudo, temido pelos inimigos! O que as civilizações materialistas temem é o Cristo verdadeiro! Receiam a limpidez, a transparência do seu olhar que penetra até aos mais recônditos refolhos das suas almas! Eles pretendem quebrar a escada que liga a terra ao céu! E se tal sucedesse — e sucede já em tantas almas!—era a conquista dos desertos da nossa vida interior. A civilização dos sem-Deus é essencialmente a conquista e sementeira dos desertos da alma, a intoxicação das consciências, a deturpação dos valores.
Portugal e a Espanha nas caravelas de quinhentos levaram ao mundo a sementeira divina. Por Cristo se sacrificaram milhares de almas. A essência da civilização cristã atingiu o máximo de exaltação e grandeza na Idade Média e o máximo de expansão no período das descobertas. Mas confessemo-lo claramente; a civilização cristã verdadeira, a que é filha do Cristo vivo, de Cristo Redentor, do Cristo-interioridade... ainda exige todo o nosso esforço, no presente e no futuro. Se os nossos tempos nos pertubam são porque não estamos psicologicamente preparados para os enfrentar!
Portugal, o Portugal de aquém e além-mar, é hoje uma unidade psicológica e moral, a unir uma tão grande diversidade geográfica. Está fora de causa o considerar-se um país colonial. Esta é a maior lição dada aos tempos confusos que atravessamos! Continuar esta ideia, mesmo à custa dos maiores sacrifícios, deve ser hoje a preocupação das novas gerações. Estarão elas preparadas para empresa de tanta responsabilidade?
É certo que a Península Ibérica não está sob o aspecto técnico e militar, tão bem preparada como as grandes nações. Mas não devemos esquecer de que o Cristianismo, sem o emprego de armas, venceu a onda dos bárbaros que invadiu e saqueou a Europa. Nova onda de bárbaros derramam hoje os seus tentáculos sobre o mundo inteiro. E não tenho dúvidas de que só uma preparação consciente, um grande ideal, lhes porá um dique às suas ideias de expansão, de colonialismo.
Para isso devem a Espanha e Portugal ter elites psicologicamente preparadas para enfrentar os acontecimentos; o futuro deve exigir esse esforço. E dele dependerá o próprio futuro da nossa civilização.
Não devemos permitir que se destrua o que levou séculos a criar e a cimentar!
Esse padrão que aí deixamos de homenagem ao Infante D. Henrique, logo à entrada da nossa cidade queremos que o seu significado fique bem gravado em nossos corações. Padrão que a juventude da nossa cidade, das nossas escolas, quis, num gesto comovente, oferecer ao nosso Delegado Distrital. Bem hajam, pois, todos quantos contribuíram com a sua dádiva material: Senhor Governador Civil, Presidente da Junta Distrital, Presidente da Câmara Municipal, Directores de estabelecimentos de ensino e a própria juventude... para que pelos tempos fora fique a perpetuar este gesto rico de patriotismo e de simbolismo, nas nossas próprias almas e nas almas das gerações que nos hão-de suceder.
À efervescência desorientadora dos nossos tempos; à descristianização das consciências e à inversão dos valores da vida... oferecemos nós, portugueses, este raro exemplo de unidade!
Camões!... como nos sentimos orgulhosos por vermos que o seu dia é o dia de Portugal! Por isso mesmo nesta hora solene acendemos o círio das nossas almas para iluminarmos os dois livros mais grandiosos da nossa vida : a Bíblia e Os Lusíadas. A Bíblia que nos une espiritualmente a Deus. Os Lusíadas que nos unem para sempre à Pátria que criamos, amamos e queremos manter para todo o sempre.
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PORTUGAL UMA ESPERANÇA E UMA CERTEZA

Regresso às origens

1- Na história das nações há influências, por vezes imperceptíveis, que parecem comandar quase todos os seus acontecimentos. Estão na base dos diversos movimentos sociais e é fácil ao observador atento e experimentado verificar se esses acontecimentos são ou não estranhos àquelas influências. os homens que orientam a vida política dos povos, podem fazê-lo sem o conhecimento dessas realidades intrínsecas, mas apenas influenciados pelas correntes do pensamento predominantes no seu tempo ou, o que é mais frequente, por razões rxclusivamente económicas. Quando isto sucede, existe sempre um divórcio entre a orientação seguida e a que é exigida pela verdadeira vida das nações. Mas quando coincidem, os homens responsáveis encontram a verdadeira linha de rumo dos povos e das suas instituições.


domingo, 10 de janeiro de 2010

BEIRA BAIXA 7 de Abril de 1957

BEIRA BAIXA

7 de Abril de 1957

Ensino

Dr. João Frade Correia
Foi convidado para exercer as funções de professor no nosso Liceu o Sr. Dr. João Frade Correia cujos méritos intelectuais e altas qualidades pedagógicas são sobejamente conhecidas.

sábado, 9 de janeiro de 2010

TENTATIVAS DE RENOVAÇÃO DA ESCOLA TRADICIONAL SEIVA ANO V Nº2 Janeiro/Março 1959

SEIVA

ANO V Nº2 Janeiro/Fevereiro/Março

1959



TENTATIVAS DE RENOVAÇÃO DA ESCOLA TRADICIONAL


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO


ESCOLA TRADICIONAL — ALGUMAS CARACTERÍSTICAS


1 — O verbalismo

2 — Moldes rígidos dos programas

3 — Atmosfera demasiado artificial e passiva

4 — É prejudicial na evolução da personalidade da criança

5 — Intolerância

6 — Perda de tempo

7 — É arbitrário

8— Origina a Angústia da Criança



NECESSIDADE DE RENOVAR A ESCOLA TRADICIONAL

CONCLUSÕES


INTRODUÇÃO


«Em face de problemas novos, temos de criar novos métodos de actuação» disse, há pouco tempo ainda, o Sr. Spaak, numa entrevista que concedeu aos nossos jornalistas, quando da sua visita a Portugal. O problema não se põe somente em questões de política ou de estratégia militar. Põe-se igualmente no campo do ensino e da educação em todos os países. Está sobejamente demonstrado que a escola tradicional precisa de modificar muitos dos seus métodos. Os ensaios devem fazer-se lentamente, embora com persistência e segurança. A questão não está em copiar o que os outros fazem, mas sim o que os outros fazem de melhor. Naturalmente devemos ter em conta vários factores, entre os quais avulta o económico. O método que há cerca de um ano estamos pondo em prática — e que pode ser utilizado em qualquer escola — não traz encargos para ninguém porque o próprio aluno pode ir fazendo, com a colaboração do professor, o material de que necessita.

Se o médico, hoje, não utiliza os mesmos processos terapêuticos que usavam os seus colegas há vinte, trinta ou cem anos, por que motivo há-de o professor usar os métodos de ensino empregados há mais de um século?

Pode admitir-se que todas as técnicas tenham evoluído e que os métodos de ensino permaneçam os mesmos? Sejamos, acima de tudo, espíritos compreensivos e justos, abertos às grandes verdades da vida e confessemos lealmente que muito é preciso fazer para reformar a escola tradicional. Não interessa apenas ensinar; interessa ensinar bem e de harmonia com os métodos que estejam mais de acordo com a maneira de ser da criança. Não interessa formar apenas, mas formar no verdadeiro sentido da palavra: uma formação completa que abranja o homem em todas a suas dimensões.

As técnicas quando mal usadas podem ser tão prejudiciais ao ensino como permanecer-se numa atitude de passividade ou de ignorância em face de técnicas justas e humanas, que, renovando a escola, elevam e engrandecem o aluno. Fecharmos os olhos às realidades da vida psicológica do aluno equivale a permanecermos na rotina e não acompanharmos a evolução que no campo da psicologia, da pedagogia e da didáctica se tem operado nos últimos anos e em quase todos os países.

Muita gente descrê dos resultados dos novos métodos de ensino. Não admira porque também durante muitos anos, em muitas aldeias, se teve mais na eficácia do tratamento do barbeiro do que do médico. Não há dúvida de que o emprego do método da escola tradicional é mais cómodo e obriga a um menor esforço de raciocínio!

Outros, porque muitos métodos da escola nova foram postos em prática por pedagogos não cristãos, estão convencidos de que são na sua essência contrários ao nosso ensino e à tradicional educação do povo português. Puro engano. Se o método tem muita importância, maior importada tem o educador que o utiliza e o caminho de que se serve para atingir a dupla finalidade da escola.

Desejo, sinceramente, que Portugal se reencontre no convívio com as suas originais fontes de engrandecimento. Compreendo, vivo e sofro pela ruptura dos nossos tempos, como exulto de alegria por ver que o nosso País há muito pretende um regresso ao passado, não para ficar a viver nele saudosamente, mas para desse passado arrancar as grandes linhas directivas do futuro. Mas em nada o nosso ensino perde com a aplicação dos métodos activos, não para serem utilizados totalmente, segundo as directivas deste
ou daquele pedagogo mais ousado, mas para se adaptarem à nossa escola repletas de verdadeiro e elevado conteúdo espiritual.

Julgamos que assim pensa o Sr. Prof. Leite Pinto, Ministro da Educação Nacional, porque em 29 de Novembro findo, afirmou em Coimbra: «Ao proclamar o primado axiológico da educação, não podemos esquecer que os valores se impõem por si nas próprias técnicas, pois «executar» bem é o fim comum a todas elas». E ainda: «A rede escolar portuguesa vai-se enriquecendo em meios materiais. É muito, muitíssimo para o professor da Nação. Mas pode ser pouco, pouquíssimo, se o corpo docente não puser dentro das paredes da escola o ambiente de amor devido pelos portugueses que estão, aos portugueses que chegam.

Assegurar a cultura nacional, preparar o homem integral — são estes os patrióticos trabalhos que vos incumbem, senhores professores, e por eles o Governo vos está grato».


ESCOLA TRADICIONAL


Vejamos algumas características da escola tradicional:


1 — VERBALISMO


O professor repete tudo aquilo que está escrito ou já foi dito. Por isso preocupa-se com a palavra. O bom professor, segundo esta escola, é o que fala primorosamente, tem gestos espalhafatosos, embora as suas palavras, muitas das vezes, não tenham ligação com a vida real. Transmite apenas uma ciência do que já foi assimilado pelas gerações precedentes.

O aluno para ser considerado bom, deve ter grande poder de memorização, saber livros de cor, muitas definições e, se frequentar um curso superior, deve citar muitos autores, falar de muitas correntes de pensamento, embora muitas delas as conheça apenas de nome. Logo, a missão do professor, é ensinar aquilo que os outros já disseram, falar das verdades já conhecidas sem as submeter à alquimia do pensamento dos alunos.

Esta atitude pode levar o aluno, a partir da adolescência, a ter um completo desprezo pela vida, por esta não ser como os seus autores predilectos a pintaram.

Ler muitos livros, decorar muitas definições, escrever muitas palavras, ter um vocabulário muito rico e muitas vezes sem ideias, eis a grande preocupação da escola tradicional, que, por essa razão, asfixia a iniciativa, a espontaneidade e a actividade da criança.

A grande preocupação deste ensino não é preparar o aluno para a vida, mas para o exame. Uma escola será tanto melhor considerada quanto melhores
forem os resultados dos seus exames, não havendo a preocupação de se verificar se os alunos levam noções e possibilidades de adaptação à vida real.

O abuso da memória pode asfixiar as outras faculdades da criança, pois está cientificamente demonstrado que as faculdades se desenvolvem na medida em que forem estimuladas.

Sem descuidar a cultura geral, mas sem que esta se sobreponha à realidade, o aluno deve ser preparado para se integrar, pouco a pouco, na realidade da vida e da nossa época.

Sem dúvida que a memória é um precioso auxiliar das nossas faculdades intelectuais, mas na medida em que o saber e a cultura se transformem em vivências anímicas.

O ponto da partida da escola tradicional são as palavras, os livros e não as coisas, os factos observados, as realidades da vida. Ora os livros devem ser apenas elementos de consulta de uma cultura geral de base, que possa integrar o aluno na sua vida natural ou sobrenatural.


2 — MOLDES RÍGIDOS DOS PROGRAMAS


Quer dizer, o professor fala para todos os alunos indistintamente, sem se preocupar conhecer a maneira de ser de cada um. Utiliza um só molde para a diversidade psicológica de cada criança, o que é pedagogicamente impraticável. Pode o ensino assim ministrado ser exteriormente verdadeiro, mas intrinsecamente é falso.

A escola não é, não pode ser, como uma grande máquina que fabrica objectos em série, mas deve respeitar o interesse, as tendências, as possibilidades e capacidades de cada aluno. Mas não é preciso somente dizê-lo; é necessário pô-lo em prática.

Embora haja programas para a orientação dos professores, estes devem adaptar os diversos conhecimentos à maneira de ser de cada criança. Logo o trabalho inicial deve consistir em conhecer cada um por si, para o orientar o melhor possível!


3 — ATMOSFERA DEMASIADO ARTIFICIAL E PASSIVA


Atmosfera em que predomina o receio das chamadas, interrogatórios, ralhos, admoestações, castigos... Ambiente onde o aluno que evidencia mais saber, tem prémios, por tudo e por nada, que, na maioria dos casos, vão fomentar a sua vaidade. Prémios que podem consistir apenas em palavras de louvor, de elogio, para os melhores alunos, altercaladas de contínuas repreensões e castigos para os alunos menos dotados. Por tudo e por nada o mau aluno é vexado. Por qualquer bom exercício ou exame, o bom aluno é enaltecido, muitas vezes em público ou em sessões realizadas expressamente para esse efeito!

Um ambiente desta natureza pode gerar a revolta nos alunos menos dotados e que, algumas vezes, dispenderam maior esforço. E não é numa atmosfera assim que se cultiva a sinceridade. Num ambiente assim é inútil falar em força de vontade, carácter, camaradagem, cristianismo, etc. Tudo será inútil, quando os meios são insuficientes e anti-pedagógicos para se conseguir o verdadeiro objectivo.

A preocupação da escola tradicional é preparar, sobretudo, para o exame. Se preparasse para a vida, a vida completa, teria que se servir de meios diferentes dos que utiliza ainda hoje.


4 — É PREJUDICIAL NA EVOLUÇÃO DA PERSONALIDADE DA

CRIANÇA


A formação da personalidade humana faz-se lentamente, mas para que se possa cimentar, a criança precisa de, pouco a pouco, ir tomando noção de responsabilidade. E esta não é possível sem reflexão. Para isso é indispensável que o educador conheça bem cada um dos seus alunos. Como diz Riboulet «o ensino deve individualizar e a educação diferenciar». Tudo isto é necessário para a criança ir robustecendo a sua vontade.

Mas com uniformidade de métodos de ensino para todas as crianças e com um critério subjectivo de apuramento, que fomenta competições humilhantes, o aluno que não consegue rendimento, cai facilmente no desânimo.

Ao contrário, a criança precisa de uma emulação construtiva que a leve a ter confiança em si, nas suas possibilidades e ser apreciada independentemente do esforço ou resultado dos seus companheiros.

A escola tradicional não respeita a evolução natural da criança e obriga-a quase sempre a um esforço superior às suas possibilidades.

Os moldes rígidos de que se serve levam-na a impor a disciplina pela violência.

A escola deve, antes, ministrar um ensino baseado em moldes racionais e pedagógicos, que permitam a evolução natural da personalidade infantil.


5 — INTOLERÂNCIA


Na escola tradicional o professor julga ter sempre razão. Ele é a lei que reina na escola e, por isso, o aluno vive acorrentado à sua vontade. Só o professor julga pensar bem e a iniciativa do aluno quase desaparece. Esta atitude do professor, além de originar um ambiente falso, leva quase sempre a criança à mentira e à inveja. Mente para se impor perante o mestre. Acusa com frequência os companheiros, quando movido pela inveja. O aluno melhor
dotado ou mais classificado julga-se num plano superior em relação aos companheiros. Quer dizer, para o aluno triunfar, necessita tornar-se conformista e dar sempre razão ao professor.


6 — PERDA DE TEMPO


O aluno é obrigado a passar horas e horas seguidas, com alguns intervalos, ouvindo, sentado, num banco, a ciência digerida. Perde, por isso, imenso tempo durante o dia. E, porque na escola não aprende o saber que lhe é exigido, sente necessidade de recorrer ã estranhos para o ajudarem.

A criança precisa não só de saber o que deve fazer concretamente, mas quando sai da es-ola deve ir em condições de, só por si, vencer as dificuldades dos trabalhos que tenha de executar em casa.

Além disso o professor não pode, na grande maioria dos casos, controlar, diariamente, o aproveitamento e debruçar-se convenientemente sobre a evolução espiritual de cada aluno.

Não há educação de «massas», mas a educação só é possível quando a alma do educador aquece, eleva e engrandece a vida espiritual de cada criança. E só quando ensina com métodos adequados, evita perda de tempo. O tempo quando bem aproveitado na escola deve chegar para satisfazer as exigências dos programas.


7 — É ARBITRÁRIO


As perguntas, os exercícios, os próprios exames... variam de professor para professor, de júri para júri. Do mesmo modo variam os resultados de apuramento. Quer dizer, alunos aprovados por um professor, poderiam reprovar noutro, com critério diferente.

O aluno deve saber concretamente o que o professor pretende e, para isso, o método que defendemos simplifica esse trabalho, ao mesmo tempo que o ensino e apuramento se tornam objectivos.


8— ORIGINA A ANGÚSTIA DA CRIANÇA


Muitas doenças podem ser causadas pelos métodos rotineiros de ensino. Os caprichos e austeridade de multes professores podem provocar a angústia e ainda o nervosismo, a cólera, o medo, a mentira, etc.

A distracção quando é motivada por causas doentias, que também têm tratamento apropriado, é, na maioria das vezes, consequência, de o professor falar de assuntos demasiado abstractos e que nada dizem à inteligência das crianças. Quer dizer, o professor julga que o mal está na criança, quando, na maioria das vezes, está nele.

O método da escola tradicional, provoca, em certas sensibilidades e organismos, o terror nocturno e a enurese. É ainda causa de muitos conflitos e ressentimento, do ciúme, da inveja, etc., podendo mesmo contribuir para a infelicidade de muitos lares.

O adulto jamais deve fazer sofrer a criança. Deve exigir-lhe esforço, um esforço proporcional às suas possibilidades, mas nunca fazê-la sofrer.

A angústia expectante (filha de certas disposições de momento: receio de chamadas, exames, etc.) pode transformar-se em neurose angustiosa.

A criança saída da escola e lançada na vida com complexos vários, será sempre um ser deficiente, uma personalidade truncada.

O professor não deve apenas conhecer métodos e processos de ensino; deve pôr seus conhecimentos em prática. E quando a criança não aprende ou não se educa, o professor deve fazer sempre um sério exame de consciência e concluir, lealmente, se o mal está nele ou no aluno.


É URGENTE RENOVAR A ESCOLA TRADICIONAL


É urgente e é possível. Para esse efeito, os professores não precisam de fazer aturados estudos nem ler livros volumosos. Muito menos necessitam de discutir inúmeras correntes pedagógicas. Precisam, acima de tudo, de se debruçar sobre os seus alunos, sobre cada aluno em especial e saber qual o método ou métodos a empregar.

Além disso devem arranjar um método de classificação objectivo, que não esteja sujeito a critérios pessoais, mas que seja uniforme para todos os alunos

Em primeiro lugar há que simplificar os programas. Além disso os livros de consulta devem estar escritos numa linguagem acessível à mentalidade dos alunos mais fracos. E é sobre estes que devem incidir os cuidados especiais do professor.

O método ou métodos empregados devem ser os que que se adaptem à maneira de ser de cada aluno. O método que defendemos, pode ser não ideal mas é sobretudo justo.

Em vez de o aluno passar horas e horas durante o dia a estudar nos livros, ou a observar as paredes da escola ou da cerca, a criança deve explorar convenientemente e racionalmente o meio em que vive. Observá-lo, explorá-lo, e não só as coisas materiais que o formam, mas ainda todos os factores que contribuam para o engrandecimento espiritual do homem.

A criança tem naturalmente uma linguagem realista. Devemos evitar que empregue frases feitas, ou palavras inúteis, com que geralmente valoriza as redacções da escola tradicional.

A escola deve dar aos seus alunos uma educação completa, favorecendo a iniciativa da criança, a sua espontaneidade e actividade.

Deve proporcionar-se à criança um ambiente de trabalho, de harmonia com os seus interesses, tendências, capacidades e possibilidades. Sem descurar a cultura geral, deve integrar-se, pouco a pouco, o aluno na vida e nas exigências dos nossos tempos. Só assim as noções adquiridas terão alguma utilidade.

Sempre que possível, os trabalhos dos alunos devem ser feitos em cooperação, onde não falte o estímulo e a própria cooperação dos professores. O professor deve falar o menos possível e levar os alunos a fazer o mais possível.

A criança não deve ter do estudo uma noção abstracta. Para isso o professor deve, sempre que possível, objectivar as suas iniciativas.

A criança deve viver na escola a sua própria vida e não a vida do adulto.

A escola deve ter, sobretudo a escola cristã, acima de tudo, a preocupação de desenvolver todas as faculdades da criança: as que se relacionem com o desenvolvimento do seu corpo e da sua alma.

— Nunca devemos torturar as crianças. Estas são o que são. O professor deve tentar aperfeiçoá-la a partir do ponto em que nela encontra algumas deficiências. E deve fazer tudo para que as crianças sejam felizes.

— Ê dever do educador que a criança se manifeste livremente, dizendo o que pensa e fazendo o que mais lhe agradar.

Só assim a poderemos orientar e, num ambiente honesto de educação, a criança jamais faltará ao respeito ao professor.

Só deste modo se poderá conhecer bem a criança e, conhecendo-se bem, se poderá orientar convenientemente.

— Respeitemos tudo o que as crianças fazem, considerando as suas actividades tão sérias como as nossas.

— Nunca impor pela violência, porque, geralmente, cria atitudes de revolta.

— Ter a criança sempre ocupada na aula. Ela faz barulho e perturba, geralmente, quando não tem nada que fazer ou está a fazer qualquer serviço contrariada.

— As crianças têm interesse pelas suas coisas e não pelas nossas. E quando sucede o contrário, devemos pensar se o interesse é verdadeiro ou não. Cada uma conclua, depois de fazer ponderadas reflexões.


CONCLUSÕES


O método da «unidade de trabalho» do Rev.° Padre Daniel Goens, se bem que não seja um método na sua totalidade original, tem muito de pessoal. Uma característica predomina em todo ele: ser objectivo na apreciação do saber dos alunos, ao mesmo tempo que estimula a sua actividade. O aluno pode controlar o seu próprio trabalho.

Nas experiências que temos feito de há um ano para cá, não utilizamos apenas a sua técnica. Esta abriu nos novos horizontes e estamos convencidos que dentro de algum tempo poderemos dedicar um número especial à aplicação das nossas experiências, que, embora ensaiadas com alunos do ensino primário, tem igual aplicação às maiorias das disciplinas do ensino secundário.

O controle é rápido e objectivo. Numa sala de trinta ou mais alunos, podemos saber em poucos minutos se prepararam ou não as suas lições.

Quando se destina qualquer actividade ao aluno, não precisa o professor, à semelhança do que geralmente se faz na escola tradicional, perder horas a falar, na maioria dos casos sem qualquer proveito. O professor limita-se apenas a esclarecer os assuntos mais difíceis. O aluno terá depois que assimilar a lição, orientado e esclarecido pelo professor. O tempo aproveitado desta maneira chega-lhe e sobeja-lhe para vencer com facilidade as tarefas diárias que lhe vão sendo destinadas. Segundo a escola tradicional, o aluno, durante o tempo que está nas aulas, apenas se limita a ouvir o professor dissertar longamente sobre todos os assuntos do programa. De harmonia com o método da «unidade de trabalho» o professor chegou ao £m do dia com todas as tarefas executadas e com todas as lições correspondentes aos respectivos testes devidamente sabidas. Não tem necessidade de levar trabalhos para casa, a não ser que voluntariamente os queira fazer, o que sucede com frequência.

Este método adapta-se perfeitamente a qualquer programa, do ensino primário ou secundário.

Seja qual for o trabalho do aluno, é sempre controlado e classificado. Por isso ele sabe que não escapa às malhas de uma apreciação objectiva.

Este método pode à primeira vista parecer difícil, mas é tudo o que há de mais fácil. O principal trabalho consiste na organização dos testes. Pode parecer também que tem um carácter mecânico, mas não. A espiritualidade está no professor e não no método.

Embora o seu emprego torne inútil os exames, há, contudo, possibilidade de o adaptar à técnica dos nossos exames, com a certeza prévia que será objectiva a classificação. Para isso tudo deve ser honesto e objectivo. O aluno deve saber concretamente o que o professor pretende que ele aprenda. Caso contrário transforma-se o exame em jogo de lotaria.

Certamente que o emprego racionai obrigaria a uma revisão dos programas e dos livros escolares, mas mesmo utilizando os livros existentes, já apresenta inúmeras vantagens.

O seu emprego evita muitos dos defeitos que caracterizam a escola tradicional. Desaparece o verbalismo; a rigidez dos programas, e bem assim a
atmosfera artificial e passiva, tão prejudicial à verdadeira educação da criança. O professor deixa de ser intolerante e autoritário, porque não vai para a escola impor os seus pontos de vista, nem fazer discursos, mas ouvir e solucionar todas as questões apresentadas pelas crianças. Além disso não perde tempo com coisas inúteis, pois todo ele é escrupulosamente aproveitado. Desaparece a arbitrariedade, isto é as diversas e por vezes antagónicas faculdades de julgar e, por isso mesmo, a criança trabalhando numa atmosfera própria, num ambiente de harmonia com as suas exigências, longe de criar complexos vários, sente-se feliz e prepara-se conscienciosamente para a vida, não para a vida dos heróis de romances, mas para a vida tal qual é, com todas as suas tristezas e alegrias.

Terminamos como começamos: «Em face de novos problemas, temos de criar novos métodos de actuação», única maneira de nos adaptarmos às exigências da vida social, satisfazendo as mais elevadas exigências da nossa vida intelectual, moral e religiosa.


JOÃO FRADE CORREIA