segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

CRIANÇAS DIFÍCEISPublicado em SEIVA – REVISTA DE CULTURANº 3 MARÇO/ABRIL 1958


 


 

CRIANÇAS DIFÍCEIS

Publicado em SEIVA – REVISTA DE CULTURA

Nº 3 MARÇO/ABRIL 1958

«O meu filho não aproveita na escola».É um preguiçoso! Cada vez sabe menos. Já não sei mais o que lhe hei-de fazer. Não vai à pancada, nem ouve os meus conselhos. 0 pai zanga-se de tal modo que tenho de lhe ocultar muita coisa, senão desgraça-o...»

Estas e outras frases fazem hoje parte da conversa de quase todas as mães, e o que é certo sem se obterem quaisquer resultados satisfatórios. Pelo contrário, parece que cada vez pioram mais as coisas, a avaliar pelos resultados de aproveitamento.

Vejamos se descobrimos algumas causas:

  • Algumas estão no próprio ambiente familiar;
  • outras, no aluno;

—    e outras ainda na escola, quando todas ao mesmo tempo não contribuem para a infelicidade do rapaz e dos pobres pais.

O aluno prefere geralmente a brincadeira ao estudo e mal seria se deixasse de brincar para estudar somente. Era melhor consultar o médico e seguir tratamento rigoroso! O ideal será conseguir-se uma coisa e outra, isto é, horas para estudo e horas para a brincadeira e sempre que possível estudar brincando. É um método que faz franzir o sobrolho ao velho mestre-escola, mas hoje devemo-lo aceitar por ser o que está mais de harmonia com a natureza da criança. Sobretudo em determinadas idades.

O ensino é uma coisa muito séria, mas que se consegue brincando, sobretudo com crianças do ensino primário ou até dos primeiros anos de ensino secundário. A criança faz o que deve fazer: brinca. Nós é que devemos aproveitar a sua actividade lúdida para o orientarmos. E se não o soubermos fazer ou não o quisermos fazer, é preferível mudarmos de profissão !

Primeiro que tudo devemos conhecer a «técnica» do ensino, como o arquitecto ou o engenheiro, a técnica da construção; o médico a de curar os seus doentes, ou o alfaiate, a «técnica» da fazer fatos bem feitos. A do educador é de todas a mais difícil. Temos de conhecer ainda e bem cada criança; toda a metodologia do ensino e vermos qual o método a empregar para cada uma delas. Certamente, pelo menos as pessoas que me conhecem, não me entregariam qualquer projecto de uma obra e muito menos me pediriam para eu lhes fazer um fato. Havia de sair obra bonita! Pois bem, fenómeno idêntico se passa ou deve passar com o ensino. Só deve ensinar quem está em condições e só deve educar quem tiver a necessária preparação para esse efeito. Preparação e intuição. E, pior do que sucede com o engenheiro ou o alfaiate, a obra do educador está sempre no começo. Aqueles, mais tarde ou mais cedo, podem saborear os frutos da sua obra, se foi perfeita. O educador, não! jamais saberá qual o sabor dos frutos do seu trabalho. Só os seus discípulos ou alguns deles terão esse prazer; e mesmo assim muito tarde.

Temos aqui dito e redito que a educação é essencialmente obra de amor e compreensão. Amar e compreender as crianças tal como elas são, com todos os seus defeitos e com todas as nossas imperfeições. Adaptar o ensino à maneira de ser de cada uma; começar a trabalhar logo de começo, com método, com perseverança, com humildade e, sobretudo, com muita paciência. Precisamos de saber «por o dedo na ferida» e no momento próprio. Mas não devemos esquecer de que o principal esforço deve ser o do aluno. Nada de palavras inúteis ou de grandes discursos. Eu sei que repito muito esta ideia, mas não ignoro que ainda se abusa mais dela! E sempre que possível e necessário, tornar o ensino agradável e intuitivo. Disse um certo pedagogo belga (*) «uma imagem vale mil palavras e um objecto vale cem imagens».

Só amando a criança como ela é, tal como é, e utilizando métodos apropriados, a poderemos transformar naquilo que ela deve ser. Parece-me ser este um dos grandes segredos da educação.

Por isso os educadores devem ter a plena consciência se estão ensinando bem e se estão formando devidamente os seus alunos, sem abusar dos sistemas de proibição. Nada de juízos errados por precipitação. Mesmo não interessa aos pais que lhes digam que seus filhos não sabem, que são cábulas ou que estão sempre distraídos! Eles mandaram-nos para a escola para aprenderem. O resto é com o professor, de colaboração com quem julgar mais conveniente. Mas não esquecer que é o professor o principal responsável pelo não aproveitamento dos alunos. O engenheiro que levantou uma ponte e que ruiu anos depois porque empregou, por exemplo, cálculos errados, não vai repetir o mesmo erro em projectos futuros. O alfaiate que inutilizou algumas peças de fazenda quando fez os primeiros fatos, não deve repetir os mesmos erros em novos trabalhos! O mesmo deve suceder connosco, sob pena de aniquilarmos uma obra mais bela e perfeita, que é a alma de uma criança, Só uma vale mais do que todas as pontes do mundo. Não interessa muito que os professores julguem a toda a hora os seus alunos; interessa, sobretudo, que os conheçam suficientemente para bem os ensinar e educar. Se os nossos alunos não aproveitam, temos de considerar mais os nossos métodos, remediá-los, modificá-los, e, se assim fizermos, tenhamos a certeza que cumpriremos melhor o nosso dever.

Voltando ao assunto: todo o professor deve amar e conhecer bem os seus alunos; o ambiente em que vive; antecedentes de escolaridade; estímulos recebidos (geralmente os pais e professores deprimem mais a personalidade infantil do que a elevam!). Numa palavra, deve conhecer bem as causas que contribuem para as deficiências de cada aluno e resolvê-las. Só, ou de colaboração com os pais, o médico, etc. Cada educador tem de fazer em relação a cada aluno um sério exame de consciência e ver quais os meios que deve utilizar para o elevar e engrandecer e nunca para o deprimir, E com frequência utilizamos os que contribuem para desmoronar a vontade e o carácter, embora falemos a toda a hora de carácter e vontade. Não é com discursos que educamos, mas com acções, prudentes atitudes e confiança em nós e nos nossos alunos.

Além disso devemos meditar diariamente nos seguintes pontos:

a) — o ensino que ministramos, estará ao nível mental dos alunos menos

dotados ?

b) — Observamos cuidadosamente as reacções de cada aluno ?

c) — Estarão as nossas exigências de acordo com o nosso esforço ? Isto é

não exigimos mais do que ensinamos ?

d) —Fazemos revisões espaçadamente metódicas?

e) —É o nosso ensino, tanto quanto possível, agradável e interessante?

f) — Utilizamos métodos intuitivos e activos, sempre que necessários ?

g) — Evitamos perda de tempo ?

h) — Estimulamos e dirigimos convenientemente os esforços dos nossos alunos ?

i) — Salientamos-lhe os seus defeitos sem ôs deprimir, mas apenas para que os possam corrigir e com o fim de os melhorar?

j) —Fazemos por desenvolver em cada aluno todas as suas faculdades?

l) — Numa palavra, preenchemos os seus defeitos com o nosso amor ou com a nossa impaciência ou ira?!

Quantas perguntas não podíamos fazer ainda! Porque cada criança é o que é; não a modificamos com admoestações, ralhos, pancada ou gritaria. Pelo contrário, com este processo agravamos a sua sensibilidade e prejudicamos o seu aproveitamento. Não devemos esquecer que é mais fácil modificarmos os nossos métodos de ensino do que a maneira de s)e»r d\s> cada, criança. Devemo-nos persuadir de que na maioria dos casos os nossos métodos de ensino são bem mais imperfeitos do que a natureza da criança. E que a educação é mais obra de amor do que propriamente de exigências inúteis. As crianças que nós apelidamos de rebeldes, mentirosas ou difíceis são-no quase sempre como consequência da nossa educação defeituosa, educação recebida por elas em casa ou na escola. Logo o que há que modificar primeiramente é a psicologia da maioria dos pais e professores. A grande maioria dos complexos que enxameiam os livros de pedagogia, desaparecerão quando o adulto deixar de ser complexo. O mal muitas vezes não está
na criança, está em nós. E mesmo que estivesse apenas nela, só tínhamos um caminho a seguir: corrigir os seus defeitos; emendar os seus defeitos naturais ou corrigir o que os outros estragaram. E mesmo neste caso, ela era mais digna de compaixão do que de reprimendas. Esses defeitos devem ser corrigidos principalmente pelos pais, professores e quantas vezes pelo médico! E quando os próprios pais não souberem cumprir a sua missão," maior é a responsabilidade do professor e mais nobre a sua missão! Para que havemos de andar continuamente a falar de apostolado e de cristianismo se o não sabemos pôr em prática ?!

Comecemos por nós! Modifiquemo-nos à altura de compreendermos verdadeiramente cada criança. Só assim poderemos fazer alguma coisa. Mesmo que a criança tenha defeitos, é dever do educador corrigi-los quanto possível, pois seria vexatório para ele que os pais fossem pedir ao merceeiro conselhos para corrigir os defeitos de seus filhos. O merceeiro tem de aprender uma psicologia diferente para corrigir os defeitos do seu ofício, como nós temos de corrigir os nossos.

Não interessa ainda que os professores digam continuamente aos pais que seus filhos vão mal, que não estudam ou estão desatentos durante as lições. Nós é que temos de organizar um ensino e um sistema de emulação à altura das exigências dos alunos dos nossos tempos. O resto é literatura inútil, perda de tempo e de dinheiro!


 


 

JOÃO FRADE CORREIA


 


 

(i)—Fr Anselmo, nosso estimado colaborador.


 

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