terça-feira, 22 de maio de 2018

FORMAR PROFESSORES: A ESCOLA NORMAL PARTICULAR AMATO LUSITANO (1950-1973)1


ISSN 1696-0300
FORMAR PROFESSORES: A ESCOLA NORMAL PARTICULAR AMATO LUSITANO (1950-1973)1
Helder Manuel GUERRA HENRIQUES
Instituto Politécnico de Portalegre; Escola Superior de Educação de Portalegre; Centro de Interdisciplinar de Investigação e Inovação (C3I); Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra
RESUMEN: El objetivo central de este artículo es analizar el recorrido histórico de una institución escolar de la ciudad de Castelo Branco (Portugal) La Escuela Privada de Magisterio - entre 1950 y 1973. Discutimos la importancia del estudio de la formación de profesores a través de un enfoque en el que la institución educativa sirve de marco representativo de un conjunto de discursos que se cruzan en su interior. ¿Qué lugar asume la formación del profesorado de primaria portugués, sobre todo, en el ―Estado Novo‖? ¿Qué recorrido es posible construir para esta Escuela formadora de profesorado de educación básica? ¿Qué públicos frecuentaron la institución? ¿Quiénes eran sus ―alumnos-maestros‖? A lo largo del artículo vamos a intentar responder a estas cuestiones, auxiliados por fuentes documentales de archivo, de la prensa regional y local de Castelo Branco y a través de la prensa pedagógica de la propia institución. Desde el punto de vista metodológico utilizamos la crítica histórica y la necesaria triangulación de los datos en una perspectiva diacrónica. Para encuadrar todas estas cuestiones utilizamos como referencias teóricas los trabajos de Antonio Nóvoa, Maria João Mogarro, Joaquim Pintassilgo, Luís Mota, entre otros.
PALABRAS CLAVE: La escuela, identidad, Estudiantes de Maestría, Historia de la Educación.
ABSTRACT: The purpose of this paper is to analyze the historical course of a school in the city of Castelo Branco - The Private School Primary Teachers - between 1950 and 1973. We discussed the importance of study of teacher education through meso approaches where the educational institution serves as arena representing a set of discourses that intersect inside. Which place takes the training of teachers, especially in the Estado Novo? Which way can build for the School-forming elementary school teachers? Who is the public who attended this school? Who were their students master? It is these questions that we, throughout the article, answer assisted by archival documentary sources, the regional and local press and through the press Castelo Branco educational institution itself. To frame these issues as theoretical references, used the work of Antonio Nóvoa, Maria João Mogarro, Joaquim Pintassilgo, Luis Mota, among others.
KEYWORDS: School; Identity; Students Master, History of Education.
INTRODUÇÃO
Este artigo procura apresentar o percurso histórico de uma instituição escolar
1 Recibido el 8 de septiembre de 2011. Aceptado en el consejo de 8 de noviembre de 2011. Estudios Humanísticos. Historia. No 10, 2011, pp. 229-244 229
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Helder Manuel Guerra Henriques
A Escola Normal Particular Amato Lusitano Externato - de formação do professorado para o ensino elementar no Estado Novo português, entre os anos 50 e a década de 70, da centúria de novecentos. Este trabalho constitui apenas uma parte de uma investigação maior sobre a formação do professorado português, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia2. A compreensão dos universos escolares representa uma importante valia para o conhecimento das diferentes regiões. Os modos como circulavam e se apropriavam ideias de natureza político- educativa podem ser analisados a partir das realidades escolares institucionais numa micro ou meso perspectivas, admitindo, porém, o necessário enquadramento histórico global. Por outro lado, o conhecimento dos actores educativos permite compreender o perfil e a identidade daqueles que procuraram estas instituições escolares. Interessa-nos apresentar a composição do público que frequentou a Escola Normal Particular Amato Lusitano Externato, mais tarde apelidada de Escola do Magistério Primário Particular de Castelo Branco. Esta instituição servirá de arena representativa para a compreensão de um universo mais amplo sobre a formação do professorado em Portugal. Tecidas estas considerações prévias propomos articular o nosso trabalho em torno de três eixos principais: 1) apresentar, em linhas gerais, a formação do professorado para o ensino elementar em Portugal, com especial ênfase para o período do Estado Novo; 2) compreender o itinerário histórico, o quotidiano e as vivências da Escola Normal Particular Albicastrense, através das produções pedagógicas e da imprensa regional e local; 3) analisar o perfil do aluno-mestre que ingressou na instituição escolar, a partir dos livros de termos de exames de estado, numa perspectiva diacrónica e quantitativa.
O estudo das instituições escolares possibilitou o desenvolvimento de novos conhecimentos. A Escola representa uma plataforma onde se agrupam diferentes interesses, conhecimentos, pessoas, formações, materiais, espaços e tempos. Esta miscelânea permitiu a (re) descoberta de linhas de pesquisa que até há pouco tempo não se encontravam sob o olhar dos historiadores. Deste ponto de vista, a História da Educação promoveu um conhecimento útil sobre diferentes assuntos, como a construção profissional do professorado primário3 através de diversos trabalhos que
2 Projecto sedeado no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, cujo investigador responsável é o professor doutor Joaquim Pintassilgo. O estudo intitula-se ―Escolas de Formação de Professores em Portugal: História, Arquivo e Memória‖ financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (PTDC/CPE-CED/100797/2008).
3 NÓVOA, António (1987), Les Temps des Professeurs, - Analyse Socio-historique de la profession enseignante au Portugal (XVIIIe siécle (2 Vols.) Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Cientifica.
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têm sido desenvolvidos por alguns autores4. Os documentos escolares permitem colher informações diversificadas que podem servir para o desenvolvimento da História Cultural, Social, Política e Económica, mas também mais particularmente, Regional e Local, pois possibilitam estudar o meio onde a Escola se encontra instalada e as conexões que manteve com o mesmo. Philippe Poirrier refere que a História da Educação, em particular a História das Instituições Educativas representa um importante motor da História Cultural e da autonomia da própria História em geral5.
Em Portugal foram vários os autores que desenvolveram trabalhos sobre instituições escolares6. Destacamos os trabalhos de António Nóvoa e Ana Teresa Santa-Clara7, João Barroso8 e Justino Magalhães9 no que diz respeito ao estudo dos liceus portugueses. Num registo próximo da análise de instituições educativas de formação do professorado do ensino elementar português, encontramos alguns autores que desenvolveram estudos que contribuíram para o avanço do conhecimento deste campo educacional. Referimo-nos a José Salvado Sampaio10, Rogério Fernandes11 ou Áurea Adão12.
Porém, não encontramos com abundância trabalhos cujo objectivo central fosse a compreensão das instituições escolares de formação do professorado para o ensino primário. Destacamos apenas três estudos que tocam mais particularmente esta área: sobre o ensino normal primário, concretamente no que diz respeito aos aspectos relacionados com o currículo, as práticas e as políticas de formação,
4 GOMES, Joaquim Ferreira (1995), Para a História da Educação em Portugal Seis estudos, Porto: Porto Editora.
5 POIRRIER, Philippe (2004), Les Enjeux de l`Histoire culturelle, Editions du Seuil.
6 PINTASSILGO, Joaquim «– Introdução História e Historiografia das Escolas Normais em Portugal». In PINTASSILGO, Joaquim e SERRAZINA, Lurdes (Org.) (2009), A Escola Normal de Lisboa e a Formação de Professores Arquivo, História e Memória, Lisboa: Edições Colibri, pp. 7 9.
7 NÓVOA, António e SANTA-CLARA, Ana Teresa (2003), Liceus de Portugal História, Arquivos, Memórias, Porto: Edições Asa.
8 Cf. BARROSO, João (1995), Os Liceus Organização Pedagógica e Administração (1836-1960), 2 Vols., Lisboa: FCG/JNICT.
9 FERNANDES, Rogério e MAGALHÃES, Justino (1999), Para a História do Ensino Liceal em Portugal Actas dos Colóquios do I Centenário da Reforma de Jaime Moniz (1894-1895), Braga: SPCE/CEEP-UM.
10 SAMPAIO, José Salvado (1975-77), O Ensino Primário. 1911-1969. Contribuição Monográfica (3 vols.), Lisboa: Instituto Gulbenkian de Ciência.
11 FERNANDES, Rogério (1977), Educação: uma frente de luta, Lisboa: Livros Horizonte.
12 ADÃO, Áurea (1984), O Estatuto sócio-profissional do professor primário em Portugal (1901- 1951), Oeiras: Instituto Gulbenkian de Ciência.
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realçamos o estudo de Isabel Baptista13; por outro lado, a tese de doutoramento de Maria João Mogarro14 foi pioneira no que diz respeito ao estudo de uma instituição específica de formação do professorado do ensino primário português. A autora estudou a formação do professorado do ensino elementar a partir da legislação produzida pela tutela e dedicou-se ao estudo particular da Escola do Magistério Primário de Portalegre. Analisou os actores educativos, os espaços e os tempos escolares, os quotidianos académicos. Esta abordagem permitiu compreender globalmente e localmente como se organizava uma instituição desta natureza, quem a frequentava e que conexões promovia junto da comunidade onde se encontrava inserida e a (s) identidade (s) dos próprios professores e alunos; no seguimento do estudo anterior, Luís Mota15 construiu um importante trabalho sobre a Escola do Magistério Primário de Coimbra, num arco temporal que se desenvolve entre 1942 e 1989. O autor baseou-se principalmente na imprensa pedagógica e em fontes orais.
Embora encontremos algumas referências que nos ajudam a pensar o estudo sobre as instituições escolares relacionadas com a formação do professorado primário português para o ensino elementar, poucos foram os autores que se debruçaram especificamente sobre a instituição escolar numa perspectiva mais regional e local, excepção feita a Maria João Mogarro e Luís Mota.
Apesar de sinuoso, é este o caminho que tomamos na construção do artigo que agora se apresenta, recorrendo às fontes de informação que dispomos neste momento da Escola Albicastrense constituindo um contributo para a plataforma de discussão científica sobre a temática educativa identificada anteriormente no contexto de um projecto mais amplo.
1. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM PORTUGAL: BREVE PERCURSO HISTÓRICO
António Nóvoa refere que a formação do professorado é uma das áreas mais sensíveis dos sistemas educativos dado que ―as mudanças em educação imaginam- se invariavelmente, a partir desta arena, onde se constroem afinidades e filiações,
13 BAPTISTA, M. Isabel (2004), O Ensino Normal Primário: currículo, práticas e políticas de formação, Lisboa: Educa.
14 MOGARRO, Maria João (2001) A formação de professores no Portugal Contemporâneo a Escola do Magistério Primário de Portalegre (2 vols.), (Tese de doutoramento), Cáceres: Universidad de Extremadura.
15 MOTA, Luis (2006), A Escola do Magistério Primário de Coimbra (1942-1989) Entre ideologia, memória e história (3 Vols.) (Tese de Doutoramento), Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
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onde se definem atitudes pessoais e projectos profissionais‖16. O autor acrescenta mesmo que ―mais do que um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimentos, a formação de professores é o momento chave da socialização profissional e da configuração da profissão docente‖17. O que se encontra em destaque é a construção identitária de um grupo em emergência ao longo da centúria de novecentos.
A formação do professorado português para o ensino elementar encontra as suas origens no século XVIII, com as políticas reformistas Pombalinas. Com efeito, foi na segunda metade do século XIX que a importância da formação do professorado para o ensino elementar e a criação de instituições específicas para a preparação desses docentes assumiu uma importância crescente. Em 1862 institucionalizou-se o funcionamento da Escola Normal de Marvila para o sexo masculino, sob a direcção de Luís Filipe Leite; e pouco tempo depois foi criada a Escola do Calvário para o sexo feminino. Gradualmente valorizava-se a necessidade de uma formação adequada aos indivíduos que pretendiam tornar-se elementos de um grupo em processo de emergência e consolidação: o professorado para o ensino elementar.
No final do século XIX foram criadas várias Escolas Distritais de Formação de Professores que o regime republicano haveria de encerrar em 1919. Nesse mesmo ano convertia essas instituições em Escolas Primárias Superiores, iniciando também a actividade das novas Escolas Normais Superiores (Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Ponta Delgada) na tentativa de construir um homem novo, laico e republicano, onde o professor surgia com um importante papel de natureza social. A principal referência institucional do período republicano foi a Escola Normal de Lisboa, situada em Benfica. As transformações ocorridas em 1919 caracterizam-se pelos ideais do Movimento da Educação Nova que haveriam de ser colocados em causa pelo novo regime político O Estado Novo.
A partir de 1926 o edifício educativo republicano ruiu. Foi diminuída a escolaridade obrigatória de cinco para quatro e, mais tarde, para três anos; foi proibida a coeducação dos sexos; foram extintas instituições republicanas; (re)introduziu-se o ensino do catolicismo nas escolas públicas (1935); e as aprendizagens dos alunos foram simplificadas (ler, escrever e contar)18. Maria João
16 NÓVOA, António (1992), «Educação Nacional» in ROSAS, Fernando (Coord.) Nova História de Portugal Portugal e o Estado Novo 1930-1960, Vol. XII, pp. 504.
17 NÓVOA, António – «Educação Nacional»...cit. pp. 504.
18 PINTASSILGO, Joaquim, MOGARRO, Maria João e HENRIQUES, Raquel Pereira (2010), A Formação de Professores em Portugal, Lisboa: Edições Colibri, pp. 25.
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Mogarro defende que os processos de formação e a escola se enquadravam no interior de uma perspectiva oficial que passava pelos valores do nacionalismo, conservadorismo e catolicismo. Acrescenta que para Salazar, a escola era a ―sagrada oficina das almas‖ onde as crianças portuguesas aprendiam e o professorado assumia o seu ―sacerdócio‖ e a missão de as ensinar19.
Por outro lado, a tentativa do regime político para criar novas legitimidades no terreno educativo passou, em primeira instância, por importantes reformulações no domínio da formação do professorado. A década de 30 caracterizou-se pela criação das Escolas do Magistério Primário, substituindo as escolas normais republicanas20. No entanto em 1936 seriam encerradas.
O ano de 1942 ficou marcado pela reabertura das Escolas do Magistério Primário, mas desta vez enquadradas por um modelo de formação do professorado diferente do anterior. Este modelo educacional afastara as características republicanas que ainda caracterizavam estas escolas no começo da década de 30. Tornaram o ensino do magistério mais prático e orientado para a função que o professor do ensino primário deveria assumir no contexto político em causa. António Nóvoa refere que os dois eixos estruturantes da política educativa associada à formação de professores do ensino elementar levada a efeito pelo Estado Novo caracteriza-se pelas expressões: Redução e controlo. A primeira expressão Redução - porque concretizou-se através da desvalorização das condições de admissão às escolas do magistério; através de uma redução dos conteúdos e do tempo de formação; uma menor exigência científica e intelectual. A segunda Controlo - concretiza-se na instauração de práticas de controlo moral e ideológico tanto na formação de base, como nos estágios ou na avaliação dos exames de estado21. O Estado Novo assumiu a formação do professorado primário português como uma importante arena onde deveria actuar politicamente.
Em termos gerais a política educativa do Estado Novo desvalorizou a função pedagógica e cientifica do professor atribuindo-lhe a missão de enquadrar os seus alunos na trilogia em que se fundamentava o próprio regime político: ―Deus, Pátria e Família‖.
19 PINTASSILGO, Joaquim, MOGARRO, Maria João e HENRIQUES, Raquel Pereira A Formação...cit., pp. 25.
20 NÓVOA, António – «Educação Nacional»...cit. pp. 504. 21 NÓVOA, António – «Educação Nacional»...cit. pp. 505.
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2. A ESCOLA NORMAL PARTICULAR AMATO LUSITANO EXTERNATO: A CRIAÇÃO
Em Castelo Branco existiu uma Escola Distrital de Habilitação para o Magistério Primário entre o final do século XIX e os anos 20 da centúria seguinte. Encerrada em 1926, a comunidade através da imprensa local não esqueceu a importância da Escola na dinâmica regional22 e na formação da juventude. São recorrentes os artigos de periódicos que tratam deste assunto reclamando uma Escola Normal para a cidade Albicastrense. António Rodrigues Cardoso, director do periódico A Beira Baixa, referia-se do seguinte modo à necessidade de criação de uma destas escolas:
―(...) a criação de uma escola de habilitação para o magistério primário na nossa terra ou, por outras palavras, a restauração da que tivemos, ao mesmo tempo será um melhoramento importante para Castelo Branco, é a satisfação de uma necessidade de toda a província da Beira Baixa‖23.
A concretização deste objectivo aconteceu em 1950 quando foi pedida uma Escola Normal, de carácter particular, pelo Dr. João Frade Correia. Essa escola ficou instalada na Rua João Evangelista na cidade portuguesa de Castelo Branco. Inicialmente esta escola foi registada como Escola Normal Particular Amato Lusitano Externato e dirigia-se exclusivamente ao público feminino. Condição que se alterou em meados da década de 50 do século XX. João Frade Correia propunha realizar quatro objectivos com a criação da escola: formar regentes escolares; leccionar o ensino primário para o sexo feminino; habilitar para o ingresso nas escolas do magistério; e, ainda, criar o curso de professores do ensino primário dirigido ao sexo feminino24.
O fundador e director da instituição25 argumentava, no requerimento de criação da escola, que ―atendendo ao alcance da sua projecção social; à necessidade que o
22 Sobre este assunto encontra-se no prelo o nosso artigo intitulado «A Escola Distrital de Habilitação Para o Magistério Primário/ Escola Primária Superior Albicastrense 1898-1926: retrato de um percurso» apresentado no Colóquio Internacional 1910-2010: Comunicação e Educação Republicanas, Universidade Coimbra, 21 e 22 de Outubro de 2010.
23 BIBLIOTECA MUNICIPAL DE CASTELO BRANCO «Escola Normal» in A Beira Baixa, No 332, Ano VII, Castelo Branco, 4 de Setembro de 1943, pp. 5.
24 «Requerimento dirigido ao Senhor Ministro da Educação Nacional, Maio de 1950» in GOULÃO,
Francisco (2005), Instrução Popular na Beira Baixa III, Coimbra/Castelo Branco: Alma Azul, pp. 77.
25 João Frade Correia, proprietário, administrador e único director desta Escola criada por sua
iniciativa. De acordo com Francisco Goulão, nasceu a 17 de Abril de 1913, na freguesia do Rosmaninhal, concelho de Idanha-a-Nova, tendo realizado os seus estudos do ensino secundário em
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mesmo estabelecimento de ensino representará para o problema da cultura portuguesa num distrito onde não há qualquer estabelecimento oficial congénere; possuindo um edifício com todos os requisitos indispensáveis a um estabelecimento desta natureza, respectivamente‖26 deveria ser concedido o alvará para o funcionamento legal da instituição escolar.
Ilustração 1 A Escola Normal Amato Lusitano no inicio da década de 5027
A escola foi autorizada a receber 143 alunas externas, 120 alunas normalistas e 23 do ensino primário (Escola Anexa), devendo seguir os programas oficiais de ensino28 numa lógica de intervenção do Estado. Em 1955 passou a designar-se por Escola do Magistério Primário Particular de Castelo Branco, nome que manteve até à data da sua extinção em 1972/73.
O corpo docente, além do director João Frade Correia, era constituído por vários professores que leccionavam no ensino liceal. Verificamos a existência de uma
Castelo Branco e os superiores em Coimbra, na Faculdade de Letras onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas em 1939.
26 «Requerimento dirigido ao Senhor Ministro da Educação Nacional...», cit. 27 Página de Castelo Branco, no 1, 12 de Dezembro de 1953.
28 Diário do Governo, III Série, No 293 de 15 de Dezembro de 1952.
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conexão entre o Liceu Nuno Alvares e a Escola Normal, ao nível do corpo docente. Esta realidade também acontecia noutras escolas do magistério primário em funcionamento, que colmatavam as dificuldades em assegurar um corpo docente de qualidade recorrendo ao prestígio da instituição liceal29.
A Escola Normal assumia uma cultura própria, muito próxima do catolicismo, e uma dinâmica pedagógica participativa na comunidade regional e local. Além de verificarmos a existência de algumas publicações de professores da escola, também encontramos registo da participação dos actores educativos no Jornal O Rumo e no interior de uma revista pedagógica da própria escola intitulada Seiva. No jornal O Rumo, de Coimbra, a escola possuía a ―Página de Castelo Branco‖ que servia de porta-voz do quotidiano e das vivências escolares dos alunos e professores. A colaboração com o jornal Rumo verificou-se entre Dezembro de 1953 e Julho de 1954. No primeiro número identificavam-se as principais características que um professor do ensino primário deveria possuir:
―O professor primário (entenda-se o professor primário ideal; mas só gravando no espírito a sua imagem cada professor poderá realizar constantemente o aperfeiçoamento de que é susceptível) é um poeta que desperta e cultiva a poesia latente nas almas das crianças. A missão que aceitou, e por isso tal missão pressupõe vocação, consiste menos em transmitir noções que numa obra de irradiação espiritual. Assim além da sua preparação técnica, é-lhe necessário, a cada momento, alimentar, desenvolver em si faculdades humanas que o tornem o guia da viagem maravilhosa empreendida pelas crianças para a descoberta do mundo; guia e companheiro, capaz de aprender com elas a simplicidade, a frescura, o entusiasmo, o amor exuberante da vida que o adulto tantas vezes deixa arrefecer ou embotar‖30.
Mais importante que ensinar conteúdos, importava ensinar valores. Naturalmente os valores do regime político, deixando para segundo plano todo um programa de aprendizagens. A importância da ideia de missão e vocação estão bem presentes nas publicações pedagógicas da Escola Normal. Por um lado, os valores encontravam-se orientados de acordo com uma matriz Católica; por outro lado, verifica-se a proximidade às orientações políticas do Estado Novo para a formação do professorado primário português.
29 Destaca-se o professor de didáctica, inspector José Pires Antunes que publicou diversos trabalhos e interessou-se pelas questões didácticas do ensino.
30 «A poesia na Escola» in (O RUMO) Página de Castelo Branco, no 1, 12 de Dezembro de 1953.
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Nesta publicação A página de Castelo Branco - podemos colher diversas informações sobre as vivências escolares e a sua relação com o meio envolvente. Destacamos a visita do Governador Civil de Castelo Branco, Dr. José de Carvalho e do Subsecretário de Estado Dr. Henrique de Veiga Macedo cujas presenças foram realçadas. Mas além deste tipo de notícia encontramos poesias, notícias da escola, organização de reuniões, alguns artigos de professores (nomeadamente de José Pires Antunes), assuntos relacionados com a participação da mulher na vida pública, artigos de antigas alunas diplomadas pela escola onde dão conta dos seus primeiros dias de trabalho como professoras do ensino primário, artigos relacionados com o ruralismo, a missão do professor, a religião, trocas de correspondência entre escolas, entre outros assuntos.
Ilustração 2 Capa da “Página de Castelo Branco” integrada no Jornal O Rumo (Esq.); capa da revista pedagógica Seiva Orgão da Escola Normal Particular de Castelo Branco (Dir.)
A partir de Janeiro de 1955 começou a ser publicada com regularidade a revista Seiva propriedade e edição da Escola Normal. Os assuntos ali tratados são os mesmos que identificamos anteriormente na ―Página de Castelo Branco‖. Referimos apenas que a estrutura da revista permite vislumbrar uma maior organização e maior pormenor dos assuntos tratados. Destacamos alguns autores que escreveram para esta revista pedagógica: Sebastião Morão Correia, José Pires Antunes, Duque Vieira, João Frade Correia, Orbelino Ferreira, José Lopes Dias,
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Hermínia Romão, José Maria Gaspar, António Forte Salvado, António Maria Zorro, Emíle Planchard, entre outros. Muitos destes autores faziam parte da elite intelectual regional e local. Bom exemplo disso é José Lopes Dias que foi Médico escolar do Liceu Nuno Alvares e fundou, também ele, uma escola (de enfermagem) em 1948. A revista terminou em 1958. Mais tarde haveria de reaparecer um número único (1971) a propósito das comemorações do bicentenário da elevação de Castelo Branco a cidade31. A escola encerraria em 1973 quando se implementou uma Escola do Magistério Primário oficial na cidade, substituindo a escola particular.
3. PERFIL DOS ALUNOS DA ESCOLA DO MAGISTÉRIO PRIMÁRIO PARTICULAR DE CASTELO BRANCO: COMPOSIÇÃO
Neste ponto vamos traçar o perfil dos alunos da Escola do Magistério Primário Particular de Castelo Branco através de uma análise de natureza quantitativa. Não pretendemos ser exaustivos mas apenas avançar alguns dados recolhidos neste momento da investigação. De acordo com o que acabamos de referir, apresentaremos a evolução quantitativa do número de alunos que foram propostos a Exame de Estado no arco temporal em análise. Também destacaremos a relação entre os géneros e a faixa etária em que se situavam. Por fim, analisaremos a origem geográfica do público escolar. Esta análise foi possível através das informações recolhidas a partir dos livros de Exame de Estado32. Deste modo, conseguimos construir o trajecto da instituição escolar ao nível da frequência e da conclusão dos estudos destes actores educativos.
Entre 1950 e 1973 foram realizados 1192 Exames de Estado. Dado que esta era uma escola de formação do professorado particular, os seus alunos eram obrigados a fazer o seu Exame de Estado numa Escola do Magistério Primário oficial. Numa primeira fase da vida da Escola de Castelo Branco, os alunos recorreram à Escola do Magistério Primário de Coimbra (1952-1966). A partir de meados da década de 60 estabeleceram-se relações de proximidade, ao nível da finalização dos cursos, com a Escola do Magistério Primário de Portalegre (1967-1973).
Ao recolher e analisar os dados percebemos que existem momentos com características diferentes no que diz respeito à finalização dos cursos da Escola
31 SEIVA Escola do Magistério Primário Particular de Castelo Branco, Ano I, 2a Série, No 1, Outubro de 1971.
32 Os livros de Exames de Estado (1952-1973) foram consultados na Secretaria da Escola Superior de Educação de Castelo Branco.
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Particular do Magistério Primário de Castelo Branco. Observemos o gráfico
seguinte de forma a ilustrar melhor esses momentos:
Ilustração 3 A evolução quantitativa dos Alunos-Mestre (1950-1973).
O gráfico anterior permite encontrar três momentos particulares: o primeiro tem a ver com a exclusividade do público feminino nos primeiros anos; o segundo prende-se com o auge do número de alunos propostos a Exame de Estado na primeira década de 60; por fim, um terceiro momento onde se vislumbra alguma instabilidade no número de alunos propostos a Exame de Estado, oscilando entre os 20 e os 50 alunos. Este último valor já na fase final da vida da instituição escolar. O ponto mais baixo do número de alunos propostos a exame aconteceu logo no inicio do percurso da instituição escolar em 1952, reflectindo alguma instabilidade inicial na afirmação e consolidação de uma nova instituição escolar que pretendia afirmar-se no contexto da formação do professorado português; o ponto mais alto aconteceu no curso de 1959/62 com o expressivo número de 94 exames de estado realizados.
A relação entre géneros é muito acentuada, como podemos observar no gráfico anterior. Atendendo a que nos primeiros 5 anos da instituição escolar esta se destinava exclusivamente ao sexo feminino, verificamos que 89,1% dos alunos- mestre pertenciam ao género feminino e apenas 10,9% ao género masculino. A procura, por parte do género feminino, desta actividade encontra-se bem definida no interior do regime político em vigor na época que propunha uma ligação entre a
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―função natural e privada‖ da mulher com a missão pública da instrução e educação ao serviço do Estado.
Ilustração 4 As faixas etárias dos Alunos-Mestre (1950-1973)
Relativamente à faixa etária, o aluno-mestre que frequentou esta escola possuía entre 18 e 34 anos. Além desta característica, o gráfico anterior evidencia que a maioria dos alunos possuía uma idade compreendida entre os 19 e os 22 anos de idade. A faixa etária dos 20 anos de idade constitui a moda deste universo escolar. Entre os 23 e os 25 anos de idade corresponde a uma segunda linha de idades dos alunos-mestre. Por fim, as idades compreendidas entre os 26 e os 34 anos não apresentam números significativos e expressivos face ao que referimos anteriormente.
Para uma definição mais completa, ampla e concreta do público que frequentou a Escola Particular do Magistério de Castelo Branco importa saber outros dados. Por exemplo, qual era a naturalidade dos alunos que frequentaram a instituição escolar albicastrense? A resposta a esta questão pode ser devolvida se observarmos o quadro e mapa anteriores. Este quadro mostra que a Escola possuía uma ―identidade fortemente regionalizada‖. Tal como acontecia na Escola do Magistério Primário de Portalegre, no estudo desenvolvido por Maria João Mogarro, ―as origens dos seus alunos (...) reflecte[m] a condição regional que a
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Escola (...) assumiu‖33. A maioria dos alunos-mestre era natural do distrito de Castelo Branco. Verificamos, no entanto, que a Escola representou uma força centrípeta para outros pontos do país. Bastante distante face ao número absoluto verificado para o caso Albicastrense, encontramos quatro distritos com uma percentagem significativa de alunos provenientes desses locais. Em primeiro lugar, destacamos o distrito de Santarém; em segundo lugar, o distrito da Guarda; em terceiro lugar, o distrito de Coimbra; e, em quarto lugar, o distrito de Portalegre. Os restantes distritos não constituem referências significativas.
Ilustração 5 e 6 - Distritos de origem geográfica dos Alunos-Mestre (1950-1973)
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Distritos
Aveiro
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Castelo Branco
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Setúbal page14image337681,25%
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Viana do Castelo
Vila Real
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Viseu page14image390080.92%
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Madeira page14image400000,08%
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Ex-Colónias
Total
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O mapa de Portugal com a divisão administrativa, por distritos, permite fazer uma leitura do raio de influência da Escola. Em suma, percebemos que a influência da Escola situava-se principalmente no distrito de Castelo Branco, respondendo às expectativas da própria comunidade regional e local. Por outro lado, além dos alunos-mestre provenientes geograficamente do distrito de Castelo Branco, verifica-se que a Escola captava público escolar, como é observável através da ilustração anterior, principalmente nos distritos que faziam fronteira com o local de implantação da Escola.
33 MOGARRO, Maria João A formação de professores no Portugal Contemporâneo a Escola do Magistério Primário de Portalegre... cit, pp.603.
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242 Estudios Humanísticos. Historia
Formar professores: A Escola Normal Particular Amato Lusitano (1950-1973)
4. CONCLUSÃO
O estudo de instituições formadoras do professorado primário português revela- se da maior importância para o desenvolvimento do conhecimento das realidades escolares, para a compreensão sobre a forma como essas realidades interagiam com as comunidades regionais e locais, para o conhecimento dos diferentes actores educativos e do seu impacto científico, cultural, político, etc..., nas regiões.
O conhecimento concreto do percurso histórico de instituições como a Escola Particular do Magistério Primário de Castelo Branco permite estabelecer um conjunto de conexões enorme. A compreensão dos quotidianos e das vivências escolares pode ser realizada através do estudo dos discursos dos estudantes e professores dentro e fora da escola por via da imprensa. Do mesmo modo, a interrogação das fontes de informação de pendor escolar podem revelar características ou aspectos que de outro modo escapariam ao olhar do historiador.
A Escola Particular do Magistério Primário de Castelo Branco tem muito mais para investigar. Porém, o acesso ao arquivo não é fácil, não sabendo mesmo se ainda existe ou onde está. As fontes de informação que aqui utilizamos encontram- se espalhadas por diferentes locais e a reunião das mesmas, em paralelo com a frescura intelectual de Francisco Goulão, possibilitou-nos a construção deste texto que pretende ser um escrito em aberto às fontes documentais que um dia podem surgir.
A identidade de uma escola pode ser interpretada a partir de diferentes eixos de análise. Escolhemos seguir o roteiro dos alunos-mestre de forma a compreendermos quem eram, que idades possuíam, de onde vinham. As informações que aqui deixamos, colhidas dos Livros de Exame de Estado não constituem uma verdade absoluta até porque uma coisa é ser proposto a exame e outra é a matrícula na escola. De qualquer dos modos, e consciente desta fragilidade, este artigo permite-nos ter uma ideia relativamente plausível do percurso institucional da escola, de algumas das suas produções pedagógicas e dos seus actores educativos, com maior destaque para os alunos. Terminamos referindo que esta instituição foi criada com o objectivo de responder a interesses regionais que soube concretizar através da formação de indivíduos provenientes principalmente do distrito de Castelo Branco.
Maria João Mogarro refere que ―as situações problemáticas e os dilemas dos debates actuais são também inscritos no tempo longo e perspectivados como discursos que contêm muitos elementos presentes em outras polémicas do passado,
No 10, 2011, pp. 229-244 243
Helder Manuel Guerra Henriques
tendo sido trazidos até nós para tecer os argumentos da actualidade‖34. De facto, o estudo deste tipo de instituições pode abrir caminho para uma melhoria dos aspectos administrativos, pedagógicos, organizacionais, enfim das políticas formativas, educacionais ou organizacionais em Portugal.
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34 PINTASSILGO, Joaquim, MOGARRO, Maria João e HENRIQUES, Raquel Pereira A Formação...cit., pp. 11.
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