terça-feira, 17 de dezembro de 2013



PINTURAS DE ALEXANDRE FRADE CORREIA


A pintura é um acto de profundo sofrimento»



Pinta com a alma e observa com as mãos. Trazendo o Brasil no coração, este pintor albicastrense coloca nas palavras uma esperança quase transcendental, tal como as texturas e as cores que na abstracção das suas telas ora se revelam, ora se apagam.





Inimigo dos hermetismos, o pintor não abdica da textura e da cor



O branco domina as paredes da enorme casa de Frade Correia, em Castelo Branco. Um olhar atento, e essa claridade é atenuada por objectos de arte com histórias dentro ou pelas inúmeras telas de diferentes artistas, cujas cores e formas fazem parte da linguagem deste pintor. No corredor, à entrada do ateliê, telas por estrear anseiam ser expostas à luz e às mãos do artista. Lá dentro, numa anarquia controlada por latas e prateleiras, centenas de pincéis, bisnagas e frascos parecem aguardar pelo início desse ritual plástico.

Tal dose de lirismo parece exagerada, mas assim que arranca o diálogo com Frade Correia, esvoaçam palavras sobre a incapacidade da sociedade em apreciar a beleza ou o desinteresse desta por novas formas de ver, sentir e pensar. Passeando-se por perto e desconfiado do real interesse da matéria, o seu basset hound, de pêlo castanho e olhar melancólico, detém-se ao lado do dono, deixando cair sobre a alcatifa as pregas de pele enrugada e umas orelhas capazes de «varrer o orvalho da manhã», palavras que outrora Shakespeare dedicou a este paciente canídeo.

As aguarelas e as telas abstraccionistas de Frade Correia parecem remeter-nos para histórias e vivências do passado, convidando o espectador a descobrir a alma imperfeita de cada peça. «Muitas vezes, ao olhar para quadros que desapareceram do meu quotidiano, vejo que lhes falta qualquer coisa, quando sou eu que estou incompleto e em profunda mutação», justifica. «Há pessoas que me pedem para trocar os quadros, porque já não combinam com os sofás da casa. Isso significa que estão atentas, porque muita gente nunca mais olha para eles. Mas eu sou permissivo. Se a pessoa quiser, eu troco».

No dealbar da terceira década de uma carreira dedicada integralmente a esta arte, o pintor albicastrense está presente em galerias e colecções privadas na Europa, América do Sul, Estados Unidos, Canadá e Japão. Nada que lhe faça esquecer os equívocos que na maioria das vezes opõem apreciadores e coleccionadores de arte. «Tenho saudades dos quadros mal dados ou mal vendidos – nunca dos mal acabados –, e pena que eles não estejam em sítios onde poderiam ser apreciados como deve ser».



Pintores: «vampiros» solitários

Assim que começa a pintar, o silêncio sobrepõe-se à conversa, interrompendo-se apenas com o escorregar do carvão no quadro ou as primeiras pinceladas. «Esta é a profissão mais solitária do mundo», confessa Frade Correia. «Posso escrever num café, mas não posso levar para lá uma tela».

A sua estratégia dita que primeiro se apliquem todas as técnicas capazes de produzir cor e textura, combinando figura e abstracção. Só mais tarde há lugar à euforia. «A pintura é um acto de profundo sofrimento. Não acredito nos pintores de hipermercado, que compram uma tela e logo se transformam em artistas. Temos de tirar a alma cá de dentro e colocá-la na ponta do pincel». Terminada a catarse profunda, é tempo de abrir os olhos. «A contemplação é um acto extremamente individual», adianta o pintor. E deixa que os quadros se expliquem por si, usando as cores como fonemas. Na opinião de alguns dos visitantes da sua última exposição, realizada em Dezembro no Cine-Teatro Avenida, em Castelo Branco, estes possuem uma «grande criatividade e maturidade artística», destacando-se o «gozo das cores e formas» e um «sentido de humor ligado à técnica».

Autodidacta e alheio a academismos, Frade Correia foi buscar o seu anarquismo arrumado às pinturas de Pablo Picasso e Júlio Pomar e à poesia de Alexandre O’Neill e Fernando Pacheco. «O Júlio Pomar diz que somos todos vampiros, porque nos sugamos uns aos outros. Não podemos ser arrumados na pintura, senão tornamo-nos chatos ao nível da composição». No entanto, também sabe que existem limites. «Num quadro abstracto não podemos dizer coisas que as pessoas não entendam. A intenção é trazer algo de figurativo, nem que seja um sentimento momentâneo». E assume-se como um feroz crítico dos chavões herméticos. «Por vezes, nas exposições apetece-me antes falar sobre coisas banais com quem fez o quadro, porque não há nada mais aborrecido do que uma conversa entre pintores. Os críticos de arte nem a eles próprios se entendem, e um povo sem cultura é um povo desgraçado».





Uma profunda catarse separa a tela em branco da obra final



Regresso ao mundo da infância

Alexandre Frade Correia, o mais novo de quatro irmãos, nasceu em Castelo Branco em 1949. A mãe era natural de Medelim (Monsanto), enquanto que o pai, o professor João Frade Correia, responsável pela instalação na cidade da Escola do Magistério Primário e da Escola Comercial e Industrial Pedro Nunes, tinha as suas origens no Rosmaninhal (Idanha-a-Nova). «Foi um poeta e um pedagogo no ensino na Beira Baixa. A única pessoa que o divertia era o caçula da casa», recorda com graça o pintor, aludindo aos seus primeiros tempos de anarca.

A infância, altura em que queria ser piloto e ver o mundo de cima, viveu-a com os pais numa quinta da Senhora da Piedade, em Castelo Branco. «Eu ia brincar para as árvores, às fisgadas aos pássaros». O fascínio pelos rabiscos revelar-se-ia mais tarde, no ensino primário. «Não tinha um livro que não estivesse desenhado. Isso aborrecia muito os professores, mas dava-me um grande gozo», admite. No segundo ano do liceu, graças ao estímulo do arquitecto Luís Marçal Grilo, seu primo e professor, desperta a sério para o mundo do desenho.

Aos 18 anos, completado o sétimo grau, Frade Correia entra para a Escola Superior de Belas Artes. «Abriram-me o portão do quintal e nunca mais lá voltei com os mesmos olhos. Fiquei deslumbrado com a vida da capital». Uma das mentes que o marcou para o resto da vida foi Joaquim Florido Godinho, dono da Galeria G, em Lisboa. «Era lá que nos encontrávamos e fazíamos tertúlias com poetas e pintores como o Nuno Sampaio e o Lima de Freitas». Os primeiros sinais de um futuro ligado às artes acabam por surgir na escrita. «Eu e o Joaquim Infante Henriques tínhamos a mania que éramos poetas surrealistas. Fizemos um livro mordaz, que não chegou a ser publicado, chamado O Arroz do Sião, com poesias e textos sobre o que pensávamos da guerra no Vietname».

Volvidos dois anos de estudo e quatro de serviço militar no Ultramar, Frade Correia volta para Lisboa, até que em 1976 regressa em definitivo a Castelo Branco. Após um ano a dar aulas no liceu Nuno Álvares, casa-se e entrega-se por completo à pintura. Muito tempo depois, quis o destino que fosse morar para a rua baptizada com o nome do pai, na zona onde se situava a quinta dos primos. Uma forma de recordar a cidade e os amigos de então, sem o embaraço da nostalgia. «Não tenho saudades do meu tempo nem me sinto velho. Tenho muita esperança na juventude, que ao contrário do que todos dizem, não está estragada. A verdadeira podridão do país está na televisão, entre as 20 e as 21 horas». E se o tempo não lhe impõe amarguras, tão pouco lhe rouba a fé num futuro melhor. «O mundo foi sempre uma luta. E eu não tenho esperança. Tenho a certeza».



[n] Jorge Manuel Costa



(publicado na revista Raia, nº64 – Março 2005)




O fascínio pelo país tropical



O desenho e a pintura de Frade Correia, em permanente mudança

Frade Correia nutre um carinho especial pelo Brasil, fenómeno que acredita dever-se ao facto do seu avô materno ter vivido naquele país. Décadas depois, por diferentes motivos, o tempo encarregou-se de o aproximar ao continente onde, para além da casa, o antecessor tinha instalado diversas fábricas.

Entre os pintores que figuram na sua lista de amigos, tais como Celso Barbosa, Raul Vicente ou Costa Marques, destaca-se Bernardii, nome artístico de Bernardo Lemes de Andrade, que considera ser «um dos grandes pintores a nível mundial». Um dia, Frade Correia fica deslumbrado com a textura de um quadro há muito pendurado numa das divisões do lar, desconhecendo por completo o pintor expressionista, natural do estado de Minas Gerais, que uns anos antes dera vida àquela tela. «Quando lhe passei a mão por cima, disse para a minha mulher que tinha de conhecer aquele génio. Três dias depois estava com o Bernardii no Rio de Janeiro». O artista albicastrense acabava de atravessar o Atlântico, movido unicamente pela ânsia de conhecer «a verdadeira alma do pintor» e melhor entender «o espírito dos seus quadros». «A pintura não é só a visão, mas também o sentido do tacto. Um quadro tem de ter um bocado de leitura de Braille para se saber o que o pintor sofreu ou gozou ao fazê-lo», confessa, desvendando a sua paixão pelas formas que alimentam os sentidos. «Ninguém repara na textura e cor das paredes velhas, com a caniça caída e uma plástica tão bonita. Enquanto toda a gente as deita abaixo, eu tiro-lhes fotografias».

Na oficina que Bernardii promove no espaço ArteAmAis, no Rio de Janeiro, o artista brasileiro experimenta técnicas que aligeirem a pintura. Em Julho do ano passado, em entrevista à carioca Rádio Conexão, este confessou abordar «os subterrâneos da alma», num diálogo com o espectador em que usa a simbologia e a cor para retratar a lógica dos sentidos. No seu entender, a arte «brinca com as nossas sensações, faz-nos pensar», pelo que é obrigação desta «fazer com que as pessoas possam olhá-la e aprender com a intenção do artista a melhorar o mundo». É esse desejo de viver num mundo mais harmonioso e genuíno que leva Frade Correia a olhar com outros olhos para aquele país tropical. «Se pudesse, ia uns tempos para o Brasil. Na Europa só se olha para o umbigo. É em África e na América Latina que está o futuro, a grande riqueza das pessoas».



Para saber mais  · │Alexandre Frade Correia │ ...↓  



     

Posted by industriadarte at fevereiro 20, 2005 01:38 PM 
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